domingo, 28 de agosto de 2022

A decifração do enigmático "Ílhavo"

 

João Oliveira Coelho, 1953

O topónimo Ílhavo tem o mais íntimo parentesco com o de Aveiro!

Segundo a etimologia que apresentamos para o topónimo  de Aveiro, Ílhavo é  incontestavelmente, uma derivante de AVIA, como se torna evidente pela decomposição morfológica do seu étimo medieval, que em latim era ILLIABUM. Um notavel etimologo francês, o Prof. Albert Dauzat, demonstrou com eficiência que o prefixo ILLI (ou ILI), junto a certos topónimos, tem a significação de Vila e entre outros exemplos, cita o de ILLI-BERRIS, que traduzido é Vila-Nova.

Fundamentando-nos sobre as conclusões a que chegamos quando explicamos a etimologia de AVIARIUM para Aveiro, e agora ainda mais corroborada fica, se juntarmos ILLI  a AVIA, teremos formado o composto  ILLIAVIA, que nas eras medievais se grafava ILLIABUM, ILLIAVO e ILIAVO, de onde pela evolução natural proveio hoje o topónimo de Ílhavo.

Sendo assim, e estando plenamente convencidos de que nenhuma objecção serias se levantará o significado de Ílhavo fica por natureza definido.

Por consequência, sendo AVIA o vocábulo latino porque se designa a RIA, como vimos quando o estudámos, Ílhavo fica logicamente e concludentemente significando a VILA DA RIA.

Figueira da Foz, Setembro de 1953




terça-feira, 19 de julho de 2022

Fontes de Ílhavo - Fonte da Muchacha (desaparecida)

“Para ali estou esquecida,
Fonte da Muchacha de Ílhavo - Desenho de Palmiro
da Silva Peixe, 1926
quase enterrada, ouvindo os rouxinóis,
sem um carinho de mãe, sem
um abraço de irmão..."

Ninguém levanta um olhar misericordioso para a esquecida fonte da Rua Nova! Com o contínuo aliar de lixo para aquele beco sem saída, em poucos anos, ela que está servindo mal os moradores, acabará por dar a alma ao criador

Fontes de Ílhavo - A Fonte da Praça (desaparecida)

Fonte da Praça de Ílhavo - Desenho de Palmiro
da Silva Peixe, 1926
"Eu sou a Fonte da Praça
A Fonte do mexerico
Dizem que se vai p'rás malvas
Quem cá vem molhar o bico..."


Gozava de má fama a Fonte da Praça, hoje desaparecida juntamente com a Capela das Almas, situada no largo de Santo António, chegando os médicos a condenar as suas águas. No entanto, por ser a mais central do burgo, o visitante, não podendo resistir a tanta frescura, prova afoitamente das suas águas, mas vem a cair desfalecido nos braços do Tinoco! No meio daquele lamentável incidente de que foi vitima o ilustre visitante, todos procuram o remédio salvador. Chamam-se médicos, farmacêuticos, etc.

Apontada como perigosa para a saúde pública e quase a ser desprezada por todos, a «Fonte da Praça» tenta justificar-se:

- A volubilidade dos homens!" Enquanto a minha matriz de água esteve a descoberto, eu era uma água puríssima! Mas depois que as escolas se instalaram: por cima da casa do sr. Martins e os suínos tomaram lugar sobre os meus canos, chamam-me todos os nomes feios ... Ainda assim mesmo todos se servem da minha água para usos domésticos. Se todos quantos dela se utilizam, morressem, muita gente  em Ílhavo teria dado a alma ao criador!...

Fontes de Ílhavo - A Fonte dos Amores

“Fontinha! sorris e cantas
Fonte dos Amores de Ílhavo - Desenho de Palmiro
da Silva Peixe, 1926
Como és ditosa!
A teus pés vicejam plantas
E cresce a rosa”

Com a Fonte dos Amores de Ílhavo, no final da Rua de Espinheiro, no sítio do Arnal (ou Arenal antigamente), iniciaremos estes artigos dado notícia das quinze fontes publicadas no jornal O Ilhavense em 1926. Acompanha a informação os desenhos de Palmiro Peixe coevos.

Fonte dos Amores:

-Sou a Fonte dos Amores
A fontinha da saudade
Sou o balsamo p'rás dores
De que enferma a mocidade!

O visitante olha estupefato o garbo gentil da Fonte do Arnal e exclama entusiasmado para o ilhavense, depois de ter provado as suas águas:
— Caro amigo, até na água se nota o ressaibo a saudade e sentimento que são as características especiais da índole da gente desta terra de Ílhavo ... 

(Responde-lhe a Fonte num gorjeio de amoroso palavreado!).
— “Não admira. Se eu sou a Fonte dos Amores! Não sabia? Corre á minha volta uma verdadeira tradição de beleza, que eu tenho sabido manter com um aprumo e uma galhardia incomparáveis!
Eu, a Fonte dos Amores sou nesta linda terra, de lindas mulheres, o elixir para todos os males do coração ... 
Quisesse eu falar! quisesse eu falar!... Bebem das minhas águas os artistas, os poetas, os sonhadores. Falar em mim, é recordar essa plêiade de artistas desaparecidos. É recordar Alexandre da Conceição, o fulguroso poeta das «Alvoradas», Quim Camarão, espirito torturado; Manuel Machado, Samuel Maia e tantos outros que a avalanche dos tempos soterrou para sempre...




 


sexta-feira, 15 de julho de 2022

O anterior barco do andor do Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo, 1905

Festa do Senhor Jesus dos Navegantes 1905-09-10 (Jornal d' Ílhavo nº79)


Realizou-se no passado domingo a festa que todos os anos se faz nesta vila sob a invocação do Senhor Jesus dos Navegantes, cuja imagem se venera na paroquial igreja d'esta vila.

Festa especialmente feita pelos nossos homens do mar que em angustiosos transes, sobre as ondas do mar encapelado, para o Senhor Jesus, como na sua linguagem ingênua lhe chamam, erguem a derradeira esperança de salvação; nada teve ela de maior destaque entre a dos mais anos

No arraial de sábado tocaram na Praça a magnifica Banda da Vista Alegre e a Filarmónica Ilhavense e no domingo, além das usuais festas da igreja, saiu à tarde a procissão que ia bastante concorrida e onde ia exposta à veneração dos fieis sobre o seu andor, figurando um dos cerros do Calvário, a imagem de Cristo, pregado no sagrado madeiro aonde se enrolava uma silva de martírios. Junto da imagem ia um ex-voto, um navio, que nos consta ter sido há tempos já oferecido pelo nosso amigo e patrício Francisco Sé, capitão da marinha mercante, feito com paciência e gosto nada lhe faltando dos mil petrechos de um grande navio de vela, como navegando sob a sombra protetora da cruz, onde o terno Cristo vai agonizante.

Para o próximo ano são mordomos os nossos patrícios, Tito dos Santos Marnoto, Juiz; Francisco Batata, tesoureiro; Manoel Francisco Corujo, secretario; e Joao Paroleiro, mordomo do altar.


domingo, 10 de julho de 2022

Fontes e abastecimento de água em Ílhavo

 

Análises feitas em 1931 no Laboratório de Microbiologia e Química Biológica da Universidade de Coimbra, ás águas das fontes existente em Ílhavo.

-Fonte da Praça

- Fonte do Arnal

- Fonte da Fontoura

- Fonte do Inferno




Crónica da Ermida, 1931

 in jornal O Ilhavense de 5 de Julho de 1931 

A Ermida estendia-se para o sul até próximo da Pedricosa. Ali perto, existia a chamada Quinta dos Henriques, onde havia grandes pinheiros mansos. Próximo havia uma capelinha e um povoado. Na dita capelinha, aquele povo conservava ali um capelão para dizer missa. Na parte baixa da Quinta está uma casa antiga á qual se dá o nome de Azenha da Valenta. A oeste passa a ria que banha toda esta região. Existe a fonte do inferno, notável pela boa água que dela corre. É uma água tão pura que vem algumas mulheres de Ílhavo com seus potes e jarras de barro vermelho para levarem água para consumo de suas casas. Perto desta fonte está a azenha do inferno. Do lado sul tem a antiga praça da Ermida onde se realizava o mercado semanal que dizem ser abundante em géneros alimentícios. Também existia na Ermida um chafariz antiquíssimo e muito abundante de água que foi demolido quando se procedeu á construção da estrada. A antiga capela já contava talvez quinhentos anos; foi também demolida para dar passagem á mesma estrada. O lugar da Ermida foi julgado, tinha juiz, delegado e todo o mais funcionalismo necessário. Quando alguém praticava qualquer delito, era julgado e deportado para fora da Vila e Termo.

 in jornal O Ilhavense de 5 de Julho de 1931 

A fonte de Alqueidão e a 'Moura encantada'

O povo, na sua eterna crendice, na sua doce lenda, fantasiando as mais extraordinárias aspirações e a existência dos mais extravagantes seres, anda agora preocupado com a aparição duma moira encantada que a certas horas surge à flor das águas na romântica Fonte de Alqueidão, exibindo a sua loira e farta cabeleira doirada e as formas lindas do seu corpo esbelto, meio mulher e meio peixe ...

-“Uma moira encantada na Fonte de Alqueidão!...'

A notícia correu célere. A lenda ateou entre as almas simples. A crença lavrou fundo nos peitos ingénuos que à volta do caso vão tecendo as mais inverosímeis versões.

Crianças e velhos palmilham a quase deserta rua de Alqueidão, numa irritante credulidade, para observarem de viso esse monstro mitológico que a desoras surge no seu encanto para ouvir - quem sabe? talvez o melodioso gorjeio dos rouxinóis nestas suaves noites de primavera!...

Aquele poético o solitário retiro onde o cantarolar das águas da fonte forma harmonioso conjunto com os dobrados do passaredo, tem tido, nestas ultimas noites, tanta concorrência que os verdadeiros moiros e moiras - namorados e namoradas - que por ali sonhavam na quebra dos seus encantos, foram obrigados a procurar outras solidões onde mais à vontade possam por em prática esses sortilégios amorosos ... 

-“Uma moira encantada!... A atávica credulidade ! 

Aquele ruído estranho, aquele ronronar pesado e surdo que representa para a crendice popular o ressonar profundo da moira, nas horas calorentas da sesta, ou nas horas silenciosas da noite; aquele misterioso murmúrio que tanto pode ser o trabalhar das águas nas entranhas da terra, como o resfolgar dum reptil, cala mais fundo no âmago da populaça, infunde mais no espirito das gentes, que todos os exórdios que hajam de se pregar para opor como barreira a essa fantasia das almas simples e crédulas!

-“Uma moira encantada!...“ Oh! a eterna crendice deste povo!


in jornal O Ilhavense de 5 de Maio de 1930


Festa do Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo em 1922

A Festa do Senhor Jesus dos Navegantes

Na próxima semana, sábado, domingo e segunda feira deve realizar-se nesta Vila a tradicional festividade em honra do Senhor Jesus dos Navegantes imagem que os nossos ousados e intrépidos marinheiros veneram cheios de Fé e cuja proteção invocam nos lances aflitivos da sua arriscada vida!
Esta festa tem um cunho característico de unção porque ninguém, como o marinheiro, sente que é preciso ter crença. Por isso ele se esforça por que a sua festa revista muito brilhantismo como certamente vai acontecer este ano em que a Comissão é composta de indivíduos briosos e muito amantes da sua terra. 
No sábado  haverá o costumado arraial que durará até ás 2 horas da madrugada de domingo. Assistirão as bandas da Vista Alegre e a Velha, de Aveiro. A iluminação está a cargo dum iluminador de Pardelhas e o fogo de um afamado pirotécnico do norte. No domingo celebrar-se-á a missa solene a grande instrumental, subindo ao púlpito, após o Evangelho, um afamado orador de Braga. À tarde sairá a procissão com a incorporação de algumas irmandades e da comovedora imagem do Senhor Jesus. Na segunda-feira de manhã começará a comissão a tirar a esmola, devendo ter lugar ao meio dia, a entrega dos ramos á nova comissão. 

In jornal O Ilhavense, nº40, 27 Agosto de 1922


terça-feira, 5 de julho de 2022

Vista Alegre - Memória Histórica

A primitiva devoção a São Caetano na Vista Alegre.



Bebe, pois, bebe á vontade.
Acharás que é (muitas vezes)
Tão útil para a saúde
Quão para a Vista Alegre.


sexta-feira, 24 de junho de 2022

Crónica da Ermida, 1931

 Antigamente, em toda a área da Ermida, nas terras baixas da Bispa, do Micaêlo e Valenta, cultivavam-se grandes searas de arroz. Era semeado em Março e parte de Abril. No mês de Março vinham de Mira aproximadamente uns cinquenta homens cavar é preparar as terras para receberem a semente. No mês de Julho vinham também muitas mirôas para a monda do mesmo arroz, e de Setembro em diante as próprias mulheres o coifavam e malhavam nas eiras junto ao esteiro da Malhada que tanto ali, como na Valenta, ainda existem, em parte. Os homens e as mulheres tinham por capataz um indivíduo chamado Gonçalo Roldão. Depois da ceifa do arroz, qualquer homem se abeirava dum pequeno regato com água e pescava à bela enguia, Todos dali tiravam peixe com abundância. Agora quase todas as terras estão incultas, criando só estrumes, tais como: canícia, tabúa e junco. As delimitações da Ermida eram: pelo Norte o caminho que separa a Quinta da Vista Alegre e o Micaêlo. A leste o marco da Cabeça do Boi; a leste-sueste outro marco que está no Rodelo o ainda um outro que fica entre a praça da Ermida e Vale de Ílhavo; ao sul o rêgo do Favacal que atualmente divide os concelhos de Ílhavo e Vagos; e a sudoeste e oeste a ria que separa esta região e a Gafanha de Aquém. Em frente à Sardanica está o antigo Colégio da Pedricosa onde se internavam as crianças de ambos os sexos e pertencia a um fidalgo ao qual davam o nome de Morgado da Serra, natural de Vizeu e aparentado com a família de Simão Botêlho o amoroso protagonista do «Amor de Perdição», de Camilo Castelo Branco.


in jornal O Ilhavense de 30 de Agosto de 1931


quinta-feira, 23 de junho de 2022

Ílhavo de Ontem e Ílhavo de Hoje, 1926

Ílhavo de Ontem e de Hoje, desenhos de Teodoro Craveiro
in jornal O Ilhavense de 1926-11-23













quarta-feira, 1 de junho de 2022

Procissão dos Passos de Ílhavo 1924

1924-03-23 Procissão dos Passos - De hoje a oito dias realiza-se nesta vila de Ílhavo a tradicional procissão dos Passos cujo itinerário á saída, é o seguinte: Rua Serpa Pinto, Rua Mártires da Guerra Submarina, Rua José Estevam, Fontoura, Rua Arcebispo Bilhano até á Capela da Senhora do Pranto. No regresso descerá a procissão até á Praça da Republica, tomando depois pela Rua Camões, Rua Ferreira Gordo, Rua João de Deus e Serpa Pinto. O encontro das duas imagens dar-se há na Praça da Republica, pregando nessa ocasião o rev.º sr. padre Manuel de Campos.

A Segunda Festa do Senhor Jesus dos Navegantes de 1940



Mordomos da Festa do Senhor Jesus dos Navegantes e 1923

José Simões Bixirão, Juiz da Festa; José Gonçalves da Silva, Tesoureiro; João Pereira da Bela, Secretário; Antonio Gonçalves Leite, Mordomo do Altar; Mordomos: José Gonçalves Leite; João André Alão (o Rigueira); Domingos André Senos; e Júlio Ferreira Pauseiro.

in jornal O Ilhavense de 10 de Setembro de 1922








Preâmbulo do Museu Marítimo de Ílhavo (1922)

in jornal O Ilhavense de 1922-10-29
Um grupo de rapazes da nossa terra está disposto a lançar ombros á tarefa da organização de um Museu Regional, para o que vai requerer á Câmara Municipal a cedência de uma sala do Convento da Senhora do Pranto, iniciando os trabalhos da colecção dos diferentes objetos que hão de ser guardados no Museu.
Apelamos para o patriotismo de todos os Ilhavenses, afim de que auxiliem a Comissão que em breve, em reunião publica, será nomeada para tal fim, sendo de louvar que os senhores professores deste concelho comecem já em propaganda de tão simpática iniciativa, concorrendo com a sua boa vontade para o completo êxito de tão famoso melhoramento local.

A Igreja de Ílhavo precisa de reparos

 in jornal O Ilhavense de Junho de 1922

Vamos senhores, não seja só demolir, nesta malfadada terra de tanta luz e de tanta beleza! Façamos também construções novas, procuremos conservar o pouco de artístico que possuímos. A igreja matriz de Ílhavo está num um estado deplorável. Aquele templo de tantas recordações saudosas, onde fomos, batizados, onde ajoelhamos a comungar pela primeira vez, onde os entes que nos foram queridos receberam a benção, antes de baixar à sepultura, onde nos uniram os laços do matrimónio; aquela casa que é a Casa do Senhor onde vão ajoelhar as nossas mães e os nossos amigos, quando nós nos vemos abraços com as intempéries e com os desgostos da vida; a nossa igreja, que deslumbra pela sua grandeza e que merecia de nós todos um pouco de atenção, está a começar a cair.


É preciso olharmos a sério para estas, coisas. E imprescindível fixarmos a nossa atenção para o que de artístico e formoso nos resta, se ainda não temos obliterado e corrompido o sentimento e o gosto

As janelas não têm vidros. O forro das naves laterais está a cair. A cimalha das torres ameaça ruir e a vegetação ali é abundante, As paredes exteriores carecem de ser caiadas - coisa que num se lhes fez desde que existem. O altar de Santo António deve ser retirado do couce da igreja. É uma vergonha e menos veneração pelo santo taumaturgo, conservar o seu altar onde está. As alfaias do culto devem ser melhor cuidadas. O pálio rico não é estimado como merece. Os paramentos ricos precisam de muitos reparos. Etc., etc. etc.


segunda-feira, 30 de maio de 2022

História e Mistérios de Ílhavo: o morto-vivo

A cólera-morbus que em 1856, reinando D. Pedro V, se desenvolveu com o máximo de intensidade na cidade de Lisboa e grande parte do reino, assolou também, segundo rezam as memorias, a vasta região da beira-mar compreendida entre Viana e Figueira. Assim, a nossa terra não escapou ao terrível flagelo que dizimou centos de criaturas, espalhando o terror e um desanimo profundo na alma forte dos Ílhavos de então. Calamidade sobre calamidade, a fome nesse ano redobrou à aflição e a angustia das gentes ribeirinhas, recozendo-lhes uns abafados suspiros de desalentada esperança. Eram como montanhas a sofrer o abalo lento de encarniçados dos séculos, como um fervilhar de ignescênte massa entre-chocada no paredão impotente da Terra. Era uma luta homérica de estranhos seres. Os barcos-do-mar, como gigantes esfaimados, abriam ao sol rutilo de Junho as fendas escuras dos seus costados e, de proas no ar, semelhavam braços implorando a misericórdia divina! Imobilizaram-se: porque os braços fortes dos Ílhavos pendiam estirados nos rebordos denegridos dos caixões. Os que não eram do mar lutavam também como hércules, mas, por fim, cediam, estrebuchando em tortores de aflitiva morte. Era o mês alegre das lides das sachas do milho e da ceifa dos fenos. As gargantas dos moribundos gosmavam-se em vômitos esverdeados de nauseante cheiro e anacatarseavam uns escarros dum amarelo bem acentuado que a heroica e magnânima Leocadia Ferraz ia repuxando com sucessivas abluções de água a ferver ao peito já em ferida dos atacados. Na casa que mais tarde devia ser do senhor Cartaxo, na rua Direita, improvisou-se um pequeno e humilde hospital, onde baixavam os desgraçados pestilentos sem família. Foi ali que se mitigou muita dor, que muitos doentes morreram ouvindo palavras de esperança e de sentido carinho.

Cemitério de Ílhavo, c.1895

... 













... Noite alta, ais e roncos de desespero perdiam-se também por entre as sombrias vielas dos palheiros na Costa Nova. Um silêncio de morte dominava ás vezes. Na escuridão tenteavam vultos, e lá de vez em quando, lobrigavam-se bateiras transportando para o outro lado as vitimas daquele flagelo, e iam aos montes, sobrepostos, empilhados. Para a remada ser mais forte, os pescadores vagueiros firmavam os pés no ventre dos mortos e estes, ás vezes, impelidos pelo movimento brusco dos remos, resvalavam, esgazeando os olhos mortiços, nublados. O bom do sr. Pe Fernando, santo levita que não envergava "a batina oficial como um distinto de emprego ou como uma capa de camarista", há muitos dias que não tirava a sua sotaina e sobrepeliz, e andava assim de povoação em povoação, de sítio para sítio, de dia, toda a noite, sem um momento de descanso abeirando-se dos doentes, confessando este, consolado aquele. No dia 30 de Junho desse ano, a meia-noite surpreendeu-o ao sul da Costa Nova, num miserável palheiro, afagando com orações um pescador moribundo. Era uma hora já adiantada da noite quando o pescador com voz fraca, humilde, balbuciou estendendo o braço: - Adeus, senhor padre Fernando!

E como um santo, morria.

Soprava do sul a aragem branda, leve, perfumada de maresia. De pé no cimo duma lomba de areia, a batina flutuando com a viração, o bom do senhor padre Fernando olhava o mar, o mar imenso, que ele aquela hora não via, mas sentia, olhos rasos de água, o coração oprimido, elevando a Deus os seus pensamentos, implorando a misericórdia da Senhora da Saúde. E chorava a bom chorar.

Súbito, um ruído brusco cortando o silêncio, vindo lá do fundo, sacudiu-o, e trágico, rápido, desceu a íngreme ladeira da lomba. Estacou. À luz duma candeia de azeite dois homens rodeavam um pestilento. Um amarelo de bílis escorria-lhe já pelos cantos da boca ressequida pela febre. Tressuava. Tomou alto a respiração, estrebuxou e, inclinou a fronte ao peito do padre - Levem-no, que está morto - disse o senhor padre Fernando.

Os dois homens pegaram nele, segurando-o um pelos pé outro pela cabeça, conduziram no à bateira mais próxima. Remaram para o "outro lado" da Gafanha. Já na mota, transladam o morto para uma padiola e, pegando um à frente e outro a trás, seguiram  antigo caminho de areia em direção a Ílhavo.

Os homens eram dois atrevidos pescadores labregos, pouco conhecendo da nossa terra. Caminhavam silenciosos, abatidos, aqueles dois extraordinários vultos que o mar tantas vezes encorajou de ralé. A padiola tremia ao momento daqueles possantes ombros. O morto, sacudido agora revirou-se, descaindo-lhe uma das pernas. Junto a uma mouteira de tramagueiras, pousaram a padiola para aliviar. Fizeram um cigarro, e o patanisco, fuzilando na escuridão, iluminou súbito o rosto do morto.

- Parece que o homem abriu os olhos.

- Qual abriu nem meio abriu! Tu não ouviste o senhor padre dizer: - levem-no, que está morto! Antão está. Pega que se faz tarde, são duas horas.

- Põe-lhe essa perna para cima.

Ergueram a padiola e continuaram a caminhar, atirando para o ar as prolongadas fumaças. Pesadas nuvens, negras como veludo, encobriam um raquítico luar que, aparecendo ás vezes, esbatia a figura do morto na areia branca das esguias dunas. Voejavam agoirentas e niticoras aves. Chegava um rumor do mar, como alguém a gemer ao longe. E nem uma casa e nem uma luz e nem indício de gente por ali perto. Caminharam, caminharam e a tatear o carreiro duvidoso, quando além, na torre, soou a meia hora p'ras três. Estavam, sem o saber, á ponte Juncal. Passaram a ponte.

Seguiram a congôsta da Barquinha, desceram o pequeno declive do Outeiro. No encrusar de dois caminhos pararam, indecisos, não sabendo por onde seguir.

- Ó que diacho! - disse um deles - Qual será o caminho pró cemitério?

Erguendo a cabeça na escuridão e apontando com a mão direita, o morto respondeu: - Quando eu era vivo ia por aqui, agora que sou morto, levem-me por onde quiserem! E levaram, seguindo a indicação do morto com vida ...

No cemitério abriam-se profundas covas, como é costume em tempo de epidemia. Em cada uma sepultavam-se três, quatro e mais cadáveres. Trabalhava-se ali todo o dia e toda a noite.

Aquele homem que os da padiola julgavam morto, foi estendido num forte caixão de pinho e este lançado a uma sepultura onde já se encontravam dois. E nem uma lagrima, nem sequer uma reza.

O coveiro, um tisnado e forte rapagão dos seus trinta e cinco anos, atirou-se á enxada e começou de lançar pazadas de terra vermelha para cima. Vinha já rompendo a manhã quando o coveiro dava o alisar á sepultura. Retirou-se. Exausto de fadiga atirou-se para cima duma velha lousa e adormeceu. 

... Passaram-se já quinze dias. A cólera tendia a desaparecer. O povo ilhavense, mais animado agora, juntava-se no adro da igreja, fazendo preces, e ia dali para o cemitério chorar a perda dos entes queridos; mas não encontravam as sepulturas dos que muito amaram, e redobrava de amargura a sua profunda dor.

Mas o coveiro-vígia, ali em serviço permanente, vinha notando há dias que, da cova onde se sepultou o da padiola, surdia vezes um ruido vago, estranho, a modos como o som de assobio: fraco, á semelhança do sibilar do vento em ciprestes, e então cismava, cismava ... - que diabo seria aquilo? - dizia - franzindo a testa.

Uma manhã, porem, a sua curiosidade já demasiado espicaçada, levou-o até lá. Deitou-se de bruços sobre o coval, aplicou e colou o ouvido á terra. Não lhe restava duvida, alguém falava agora baixinho e ouvia distintamente um soquear em tábuas.

- Quem quer que seja está aos murros no caixão - observou. E de repente, fortemente, o morto gritou:

 - Eh gente! Eh de cima! E o coveiro deu um salto, tomou ar, estacaram-se-lhe os cabelos como rama de vassoira, e atirando o chapéu com violência, tornou a deitar-se, aplicando de novo o ouvido e berrando assim:

- É de baixo! Quem chama é gente, ó quê?!

- Eh! Jaquim Salimo, sou eu, homem! Então eu fico aqui eternamente?! Olha que já se me acabou hoje a brôa de pão que trazia no bolso!

Sem mais palavra, o coveiro pega da enxada e, com a fúria de um leão ferido, começou a cavar, a cavar, até que uma tábua arrepanhando a terra, separou-a. Nervosamente, com o olho da enxada deu tamanha pancada no caixão que as tábuas superiores saltaram em bocados.

Vagarosamente, pachorrentamente, o suposto morto esfregou os olhos, saltou dum pulo para cima e, agarrando-se ao Salimo, deu-lhe tal esticão ás costelas que este, aflito e sem ar resmungou:

- Eh ti Salvador, parece que nem esteve quinze dias sem comer! Anda daí beber um quarteirão de aguardente, homem!

E lá foram os dois de braço dado prá loja da ti Calçoa.

...

Pós scriptum: Correu fama este facto. Houve nesse tempo quem risse e quem chorasse. A antiga casinha onde habitou o ti Salvador, ainda existe e encontra-a na Viela do Salvador de Ílhavo, lá ao fundo, defrontando com a antiga casa das tias Angélicas.


in jornal O Ilhavense de Maio de 1922

A Semana Santa em Ílhavo em 1922

A Semana Santa é uma tradição religiosa cristã que celebra a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Jesus Cristo. Inicia no Domingo de Ramos, relembrando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e termina com a ressurreição de Jesus, que ocorre no domingo de Páscoa.
Verónica,
fotografia de Paulo de Brito Namorado

Antecede-lhe o tempo de Quaresma que inicia com a Quarta-feira de Cinzas um período de quarenta dias até à Páscoa, durante os quais os fiéis são convidados à conversão. 
Tentaremos sumariar alguns dos recortes de noticia em jornais locais sobre as tradições da Semana Santa de Ílhavo no ano de 1922.

1922-03-05 Semana Santa de Ílhavo - A mesa da Irmandade do Santíssimo Sacramento e Almas de Ílhavo, resolveu realizar este ano as solenidades da Semana Santa com o esplendor dos antigos tempos, efetuando as trevas, e pondo na rua todas as procissões, o que é uma resolução de todo o ponto louvável. Mas, a verdade é que aquela
confraria tem atualmente uns reduzidíssimos recursos em orçamento que a lei lhe consente para o culto; Assim vê a necessidade de recorrer ao auxílio particular, promovendo uma subscrição pela Vila o que é de
todo o ponto justo. Foi nomeada uma comissão composta dos. srs. Oliveiros Fernandes Pinto Boia, Manuel Gonçalves da Silva, Manuel
Pereira da Bela, Manuel Malaquias e Francisco Soares de Melo, que brevemente iniciarão o peditório, Estamos certos que todos concorrerão com o seu auxílio para que sejam levadas a efeito com todo o
brilho e esplendor as tradicionais solenidades da Semana Santa.

1922-03-19  Sermões da Quaresma - Está encarregado de pregar os sermões da quaresma na nossa igreja matriz e na de Vagos o nosso amigo e apreciado orador sagrado o Sr Pe. Manuel de Campos.

1922-04-09 Semana Santa de Ílhavo - As cerimónias da Semana Santa, em Ílhavo, prometem revestir
desusada imponência. A avaliar pelo entusiasmo que se denota entre o povo desta freguesia, é de esperar que as cerimónias comemorativas da Tragédia do Calvário que este ano se realizam na nossa igreja matriz, revestirão uma imponência como há muito tempo não têm revestido. Outra coisa mesmo não é de esperar dessa briosa comissão de rapazes que se empenham em levar a cabo tão tradicionais festas para o que se não têm poupado a esforços, auxiliando assim as confrarias que sem o seu concurso, não poderiam levar a cabo tão simpática iniciativa. Damos a seguir o programa que gentilmente nos foi cedido pela Comissão:

Domingo de Ramos - Benção de Ramos e Missa, ás 11 horas.

Quinta-feira Santa - Missa, ás 11 horas da manhã; Lava-pé, ás 3 horas da tarde; Oficio de trevas, ás 4 horas; Procissão, ás 6 e meia.

Sexta-feira Santa - Missa, ás 9 horas da manhã; Procissão, á 1 hora da tarde; Ofício de trevas, ás 5 horas.

Sábado de Aleluia - Benção do círio pascal e missa ás 9 horas da manhã. Ladainha a Nossa Senhora ás 7 horas da tarde.

Domingo de Páscoa - Procissão ás 10 horas da manhã; Missa ás 11.

Procissão de 5ª- feira - Andor da Senhora da Soledade: José Simões Bixirão, José Firmeza, Francisco Soares de Melo e Manuel de Oliveira. Lanternas: José Catarino, Armando Ramalheira, Manuel O. da Silva e João Redondo. Andor do Senhor dos Passos: promessas.

Procissão de 6ª - feira - Pálio: Francisco dos Santos Calão, Aníbal Ramalheira, José Francisco Bichão, Manuel Goncalves da Silva, José Catarino e João de Oliveira e Sousa. Lanternas do pálio: José de Melo, João Redondo, José de Oliveira, Armando P. Ramalheira. Andor da Senhora da Soledade: os mesmos de quinta-feira. Lanternas do andor: José Bela, Manuel Praia, Ambrósio Gordinho, Silvio Ramalheira. 

Procissão de Domingo de Páscoa - Pálio: José Simões Bixirão, Manuel de Oliveira, José Firmeza, Francisco de Melo, Francisco Calão, José Francisco Bichão, José Catarino, Manuel Gonçalves da Silva,
Lanternas: Aníbal Ramalheira, Armando Ramalheira, João de Souza e João Redondo.

1922-04-23 Semana Santa de Ílhavo - Decorreram com todo o brilhantismo as cerimónias da Semana Santa que a comissão de rapazes da nossa terra, cheios de vida e animados pelo sopro bendito da fé, conseguiram lagar a cabo com tanta galhardia e com múltiplos trabalhos e canseiras.
Quinta- feira santa, com a comovente cerimónia do Lava-pés, que relembra a vida cheia de humildade de Jesus da Galileia!...
Sexta-feira da paixão, com todo o seu luto, a procissão do Senhor Morto, o sermão do enterro, os cânticos dolentes dos salmos, o entoar plangente do Miserere! ...
Sábado de Aleluia - pombas brancas voando no espaço, a queima do Judas, aleluias reflorindo em todos os lábios!...
Domingo de Páscoa, amêndoas doces das nossas esperanças, boas-festas cantantes dos nossos corações alegres!...
Tudo este ano tivemos; tudo este ano, nossa alma gozou numa unção sincera, vivendo assim um pouco do glorio passado cristão do nosso povo. 






quarta-feira, 11 de maio de 2022

Sumário das indulgencias da Irmandade do Santíssimo Sacramento e Almas da Freguesia de São Salvador de Ílhavo

 

Impresso em Aveiro em 1859, esta pequena brochura sintetisa cronologicamente as graças e indulgências plenárias concedidas à Irmandade da Igreja de Ílhavo ao longo do tempo.

São vários os breves e resoluções dadas por Roma ás Irmandades do Santíssimo Sacramento nacionais. 

Para a Igreja de Ílhavo, o vigário-geral do Bispado de Aveiro, então sede vacante, aprovou por despacho de 8 de Outubro de 1859, a resolução do papa Pio IX de 17 de Maio de 1859, indulgência plenária in perpetuum à Irmandade do Santíssimo de Ílhavo em igual forma da à concedida pelo papa Paulo V, em 13 de Novembro de 1606, à Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de Santa Maria supra Minervam de Roma, primeira confraria instituída deste género.

Com a Bula Transiturus de hoc mundo, de 11 de agosto de 1264, o Papa Urbano IV determinou a solene celebração da festividade do Corpus Christi ("Corpo de Cristo") em toda a Igreja.

Justificou o Papa a necessidade de uma solenidade especial para celebrar o Corpo de Cristo, pois, na Quinta-feira Santa (Instituição da Sagrada Eucaristia) “a Igreja ocupa-se com a reconciliação dos penitentes, a consagração do santo crisma, o lava-pés e muitas outras funções que lhe impedem de voltar-se plenamente à veneração desse mistério”.

A partir desse momento, a devoção eucarística desabrochou com maior vigor entre os fiéis: os hinos e antífonas compostos por São Tomás de Aquino para a ocasião – entre os quais o Lauda Sion, verdadeiro compêndio da teologia do Santíssimo Sacramento, chamado por alguns o credo da Eucaristia – passaram a ocupar lugar de destaque dentro do tesouro litúrgico da Igreja.

Ainda no século XIII, surgiram as grandes procissões conduzindo o Santíssimo Sacramento pelas ruas, primeiro dentro de uma ambula coberta, e mais tarde exposto em ostensório. Também neste ponto o fervor e o senso artístico das várias nações esmeraram-se na elaboração de custódias que rivalizavam em beleza e esplendor, como é exemplo a custódia renascentista de Ílhavo, liberta de templete e de grande hostiário circular, assim como na confecção de ornamentos apropriados e na colocação de imensos tapetes florais ao longo do caminho a ser percorrido pelo cortejo.

No decurso dos séculos a piedade popular alicerçou-se na constituição dos costumes, usos, privilégios e honras que hoje acompanham o Serviço do Altar, formando uma rica tradição eucarística. Esta norma ampliada pelo papa Martinho V em 26 de Maio de 1419, e confirmada pelo papa Eugénio IV em 20 de maio de 1433, papa que assina a bula Rex Regnum em 8 de Setembro de 1436, documento que conferia a Portugal o dever de evangelizar as populações nativas dos territórios sob seu domínio, propagando a devoção ao Santíssimo Sacramento por todo o mundo conhecido..

Desta forma era concedida indulgência plenária (perdão dos pecados), aos irmãos que dessem entrada na Irmandade, confessando-se e comungando, e acompanhassem a procissão do Santíssimo Sacramento que anualmente se celebra no dia de Corpo de Deus (Corpus Christi), orando pela paz, concórdia dos princípios cristãos, extirpação das heresias e exaltação da Igreja.

Em 24 de Janeiro de 1673 o papa Clemente X amplia esta norma em cem dias de indulgência aos irmãos e irmãs que acompanharem à sepultura o cadáver de algum fiel de Cristo.

Em 27 de Novembro de 1694 esta norma foi transferida pelo papa Inocêncio XII para a sexta-feira imediatamente seguinte à solenidade do Corpo de Deus.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Nota para a seca de bacalhau na Gafafanha


Lugre “Silvina”, frente à seca de bacalhau
"A Empresa de Navegação e Exploração de Pesca, Lda, com sede no Largo Luís Cipriano, em Aveiro, recebe propostas para a venda em conjunto de todos os seus navios, secadouro e demais artigos existentes e que são necessários a esta indústria. O seu secadouro, instalado em terrenos próprios, é um dos mais bem montados do país e está situado à beira da ria no lugar da Gafanha, e os navios são os seguintes: 'Silvina', para 3.500 quintais de bacalhau salgado; 'Ernani', para 4.500 quintais; e o 'Laura', para 5.000 quintais, estando este ultimo em reconstrução. Os interessados podem dirigir-se à sede da referida empresa que fornecerá todos os elementos que desejarem e bem assim os inventários do existente."
(in jornal O Ilhavense de 11 de Dezembro de 1927)

O lugre “Silvina”, registado em Aveiro, foi construído na Gafanha da Nazaré, em 1919, por Manuel Maria Bolais Mónica com o nome “Águia”, para a Companhia Aveirense de Navegação e Exploração de Pesca. Foi vendido, como mostra a notícia do jornal O Ilhavense de 11 de Dezembro de 1927 à empresa Agualuza & Batata, Lda., de Aveiro, juntamente com a seca de bacalhau e os lugres 'Ernani' e 'Laura'. De 1920 a 1926, foi comandado por João Nunes da Barbeira (Capitão Pisco, de alcunha) meu trisavô.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ÍLHAVO - Memória de um século

 https://www.academia.edu/77992826/CAL%C3%83O_Hugo_2019_SANTA_CASA_DA_MISERIC%C3%93RDIA_DE_%C3%8DLHAVO_Mem%C3%B3ria_de_um_s%C3%A9culo


SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ÍLHAVO: Memória de um século

No dia 10 de abril de 1919, há precisamente 100 anos, data da reunião que oficializou os seus estatutos, é criada a Santa Casa da Misericórdia de Ílhavo.

Em 5 de maio de 1919 é iniciada a construção do Hospital de Ílhavo, obra que verá concluída a sua edificação em abril de 1920, com a colocação no cimo da fachada da icónica estátua representando a Caridade, oferecida por D. Maria da Luz Sarrico Teles e executada por António de Freitas, hábil canteiro de Aveiro.

Num Ílhavo onde todos se conheciam, este constante empreendimento foi labor da necessidade de dar resposta às faltas de cuidados de saúde e bem-estar, quase inexistentes até então, cumprindo a visão caritativa de dois principais pioneiros fundadores: Viriato Teles e Samuel Maia.

A atuação da Santa Casa de Ílhavo é um percurso atribulado, onde a dificuldade económica e financeira sempre colocou em risco a capacidade para tratar corretamente os doentes e desfavorecidos, situação agravada principalmente na década de 40 do século XX, pelos efeitos nefastos da II Grande Guerra Mundial, e que seria minimizada com as esmolas e dádivas recolhidas pelos ilhavenses (residentes e no estrangeiro: Brasil, Canadá, Newark, Nova Jersey, Califórnia) nas anuais festas de beneficência, bailes e cortejos de oferendas (1946-1966),  memórias que perduram na lembrança dos mais antigos.

Os médicos, enfermeiros, os cuidadores do passado e do presente, assim como as muitas faces que assumiram o pulso das decisões das várias provedorias, - prestando homenagem e recordando por ordem: Dr. Samuel Tavares Maia (1919), Viriato Teles (1920-27), Prof. João Marques Ramalheira (1927-30), Dr. Eduardo Vaz Craveiro (1930-41), Dr. Vítor Manuel Machado Gomes (1941-44 e 1953-57), Pe. Alberto Tavares de Sousa (1945-46), Cap. Francisco António de Abreu (1946-52), Dr. António Joaquim da Silva Lopes (1957-65), Dr. José Cândido Vaz (1965-66), João Fernandes Vieira (1966-71), Arlindo dos Santos Ribeiro e Silva (1981-99), Prof. Fernando Maria da Paz Duarte (1999-2010), Eng. João Manuel Pereira da Bela (2011-12), Álvaro Manuel da Rocha Ramos (2014-17) e Prof. Margarida São Marcos (2017-19) - , por entre os muitos obstáculos, souberam sempre melhorar qualidade dos serviços prestados (de saúde, de assistência às crianças e aos doentes terminais) e fazer da Santa Casa de Ílhavo ”lugar” de entre ajuda e de solidariedade a todos, indiscriminadamente, como diria o médico Louis Pasteur – “Não se pergunta a um infeliz: De que religião és tu? Diz-se-lhe: Tu sofres e isso é suficiente. Tu pertences-me e eu te aliviarei!”  

Sabemos que são muito parcos os recursos de uma instituição que atualmente emprega 143 funcionários, que quer fazer mais, e que sobrevive de protocolos de colaboração.

Através da História observa-se que a caridade exercida pelas Misericórdias é uma necessidade social. E sendo uma necessidade social é um alicerce da vida caritativa nacional.
A palavra Misericórdia tem este duplo sentido de ajudar, de dar proteção e o de perdoar e compreender. É esta a base e rumo de orientação desta instituição que, localmente, em cada concelho, atua para suprir as necessidades e carências sociais.

As Santas Casas, pelo testemunho das suas obras, pela sua exemplaridade, pela coragem, pela persistência, pela coesão institucional, contra a indiferença, a apatia e o inconformismo, e com o imperativo do rigor, continuarão a ser instituições fundamentais da sociedade portuguesa.


A lâmpada da igreja de Ílhavo

Como nos roubaram a lâmpada?

Somos conhecidos, como sendo da Terra da Lâmpada!


Na nossa Igreja Matriz havia uma valiosa lâmpada de prata que desapareceu nos princípios do séc. XIX, talvez levada pelo exército francês, que apenas deixou uma custódia de prata dourada, por estar devidamente resguardada.
Uma testemunha, nunca identificada, contou ou engendrou esta história, que ainda hoje faz pensar muita gente...
Em determinado domingo festivo,  com a Igreja de Ílhavo repleta de povo e no meio da missa, entrou por uma porta lateral um homem bem parecido, mas desconhecido na vila. Dirigiu-se para a capela do Santíssimo, onde se encontrava suspensa a famosa lâmpada de prata lavrada. Ajoelhou-se, benzeu-se e ao levantar-se colocou num degrau um saco de linho que trazia. Olhou para a lâmpada e murmurou:
- Quem te há-de limpar por tão baixo preço!!! Que mau negócio que eu fui fazer!!!
Algumas pessoas presentes ouviram e segredaram entre si:
- É desta vez vez que vão limpar a lâmpada....
O homem, duma forma corajosa, disse:
- Pois se justei, está justo! Venha a lâmpada abaixo! 
Retirou-a, vagarosamente, guardou-a no saco de linho que tinha trazido e...desapareceu!
Acabada a missa o povo debandou e o sacristão quis saber, pelo padre, qual o nome do artista que teria por missão limpar a famosa e valiosa lâmpada. Certo e sabido que o padre não se tinha apercebido desta tramóia, pelo que mandou tocar os sinos a rebate, na esperança de alguém ainda poder deter o esperto larápio, o que nunca chegou a acontecer. Chegou ainda uma notícia, pela voz de uma peixeira que estivera na Bairrada, dizendo ter visto na Gândara de Salgueiro, um homem desconhecido a caminhar apressadamente, levando às costas um saco cujo conteúdo chocalhava e tenia!
Os sinos tocaram três dias seguidos em sinal de luto, mas a lâmpada perdera-se para sempre...
A história foi reavivada por Dinis Gomes no inicio do século XX, provavelmente pelo furto em 1910 da lâmpada de prata existente na Capela do Senhor Jesus dos Navegantes.
Deste último furto muito se especula, pois muitas das Igrejas da região foram alvo de furtos, que se supõem ter sido perpetuado por dois receptadores a mando de colecionistas como o Comandante Ernesto Vilhena ou o médico Jerónimo de Lacerda, pai do colecionista Dr. Abel Lacerda.
Também se especula que terá sido vendida e que atualmente se encontra nas coleções do Museu de Filadélfia, USA.
Ílhavo perdeu, desta forma, as suas duas lâmpadas de prata. Restam cinco, mas de metal, na coleção da igreja matriz!

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Ílhavo e a imigração em retrato

 Ílhavo e a imigração em retrato (diáspora ilhavense nos registos de passaporte do Arquivo Distrital de Aveiro)

Fotos de 1927-


João Fernandes Cardoso - emigrou para o Brasil

António Maria Sarabando - emigrou para o Brasil



João Rodrigues Marçalo - emigrou para a Argentina e Brasil




Manuel Soares Maganinho - emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




Fotos de 1928-

João Maria dos Santos Marujo - 35 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




Joaquim da Silva Marques - 28 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil





Manuel de Almeida - 18 anos, emigrou para Santos, Brasil




João dos Santos Clemente - 52 anos emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil





Artur dos Santos Clemente - 18 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil



Luis Nunes da Fonseca - 18 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil





Francisco de Oliveira Vidal - 13 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




João Simões Maio Rafugo - 17 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




Manuel Gonçalves Bilelo - 27 anos, emigrou para a Argentina




Armando Pinto Machado - 31 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




João das Neves Abreu - 55 anos, emigrou para Santos, Brasil




Benjamin das Neves Abreu - 18 anos, emigrou para Santos, Brasil




Flávio da Silva Labrincha - 18 anos, emigrou para o rio de Janeiro, Brasil




José da Rocha - 25 anos, emigrou para o Brasil



Manuel dos Santos Carrancho - 33 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




Manuel Maria Carlos - 23 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




Manuel Pereira de Oliveira - 15 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil



Manuel Nunes Pinguelo de Oliveira - 21 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil




Manuel António Figueiredo - 36 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil





Maria Pereira da Silva - 27 anos, emigrou para a América do Norte (com as filhas, Maria de 7 e Cândida de 3)



Marco Simões Ré - 41 anos, emigrou para o Rio de Janeiro, Brasil