sábado, 27 de maio de 2023

Parocos de Ílhavo: Pe. Diamantino Ribau (f. 1933)

 O Pe. Diamantino Ribau natural da Cale da Vila, Gafanha da Nazaré, Ílhavo faleceu com pouco mais de vinte anos. Foi pároco de Chãos (Tomar) e à data da morte em Fevereiro de 1933 era pároco de Amoreira da Gândara. Este jovem padre era sobrinho do Pe. José Maria Ribau, prior de Fermentelos e possuia invulgres faculdades de inteligencia, sendo um dos alunos mais distintos do seminário de Coimbra.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Coagitando: o roubo da lâmpada de Ílhavo

 in jornal 'O Ilhavense' de 1 de Julho de 1961

"Á santa ingenuidade do nosso povo
Ainda sobre o roubo da Lâmpada"

Ora tentemos pôr as coisas no seu devido lugar...
A lâmpada que o Sr. José Balde trouxe de Newark (América do Norte), oferta do sr. Vasco Jardim que a havia comprado  numa loja de um judeu que lhe afirmou ser a autêntica lâmpada
roubada, há 200 (?) anos da
igreja de Ílhavo, como é que teria
ido parar àquele país?
Cogitemos: há coisa de 36, representou-se em Ílhavo a
primeira revista para adultos, de
costumes de Ílhavo. Era protagonista
desse trabalho teatral, que
causou um sucesso enorme, o
«Francês das Notas» que veio visitar
à nossa terra. E foi ele, senhores,
que trouxe para Ílhavo a
lâmpada roubada há muitos anos.
Relembremos a cena respectiva:

3º ACTO:
CENA XLV
(Entram várias personagens com lanternas na mão, em camisa
de dormir, e em atitude de quem
procura alguma coisa)

FRANCÊS | (recuando amedrontado)
- Quem são aqueles fantasmas, sr Tinoco?

TINOCO - Os lâmpadas monsieur. são fogos fátuos à procura da lâmpada que há tempo nos roubaram.
FRANCÊS (aliviado) - Ah! Não ganhei para o susto (áparte) julguei que era outra vez a maldita 'caveira'.

TINOCO - Não se arreceie que não fazem mala ninguém.

OS LÂMPADAS (cantam):
Digam depressa
E sem demora
Se a nossa lâmpada
Já aqui mora. 
Ouvimos dizer
Mais de uma vez
Que quem a traz
É o «Francês».

Côro
Venham cá, venham cá
Venham todos procurar
Nossa lâmpada adorada
Que nos vieram roubar.
Há tanto ano
Que já lá vai
E não sabemos
Quem é seu pai.
E a brincadeira
Sem tom, nem graça
Foi repetida
Com a da Praça.

Côro

FRANCÊS
Vou-lhes fazer
Uma surpresa
Tomem a lâmpada (do teto desce uma lâmpada)
Limpa e acesa. 
Mandem dizer 
Para o Pará 
Que quem a trouxe
Foi cá moi.

OS LÂMPADAS (desatam à lâmpada e levam-na, cantando)
Vamos lá, vamos lá, 
É esta toda inteira,
Foi limpa e limpa está
Ai que lâmpada brejeira.
(Saem ao som da música)

Ora esta cena foi um delírio na plateia, e bisada umas poucas de vezes. A lâmpada, roubada (?) há quase dois séculos aparecia finalmente em Ílhavo, trazida pela mão do "Francês das Notas". Como se explica tal?
Julga-se que, quando da 3.º invasão francesa, em 1810, sob o comando do marechal Massena, aqueles tivessem assaltado a casa dos ladrões onde o precioso objeto estaria oculto há mais de 50 anos, e na sua retirada para França, após a bordoada que apanharam no Bussaco, a levassem para a França. Aí o "Francês das Notas" adquiriu-a por qualquer preço, num prestamista e sabendo da ansiedade que o povo de Ílhavo manifestava por reaver a 'lâmpada adorada', e como fosse convidado a visitar a nossa terra, fez a surpresa de a trazer, restituindo-a.

Mas então como apareceu ela agora na América? 
O caso deve explicar-se da seguinte maneira. Ao tempo do espetáculo da revista, há uns bons 36 anos, estavam cá uns poucos de luso-americanos que tinham vindo de visita a suas famílias. Um deles tinha emprestado, para representação do número 'Americano, um fato de cowboy que mandara para o teatro dentro de uma sua mala, Quando os figurantes da cena  'Os lâmpadas' entraram de rebolão na sala onde tinham que se vestir para a última cena, que era a apoteose final da revista, o que trazia a lâmpada atirou-se para a mala que o americano mandara para o teatro com o fato. Findo o espetáculo, aquele nosso conterrâneo foi buscar o que emprestara e levou-a para casa. Mas como no dia seguinte teve de sair para a América, levou, sem dar por isso, a lâmpada para aquele país.
Caladinho como um rato quando a descobriu, lá a foi conservando. Mas os portugueses atravessaram depois, ali, uma crise enorme. Os nossos homens estiveram desempregados algum tempo e o ilhavense amigo, numa hora de aperto, teve que utilizar o crédito de um prestamista judeu, deixando-lhe, como penhor, a lâmpada de Ílhavo que, sem concorrer para isso, lhe surgiu na américa.
E aí está explicada a razão por que o precioso objeto foi adquirido agora pelo sr. Vasco Jardim que a ofereceu ao sr. José Balde para a trazer para Ílhavo.

Para terminar estas notas e ainda como confirmação do que acima expomos, vamos ainda
transcrever da revista "Francês das Notas" parte da Cena seguinte aquela a que fizemos referência.
É o diálogo entre Tinoco e o Francês:

TINOCO - Oh! meu caro Francês!
Então estava tão caladinho com a surpresa que nos quis fazer? A nossa lâmpada! A nossa
querida lâmpada!
Mas diga-me, monsieur, como obteve esta preciosidade que há tantos anos era procurada com um afã, uma solicitude inaudita?

FRANCÊS - Foi o acaso que ma trouxe às mãos, meu caro Tinoco.

TINOCO - Conte-me lá isso, mon cher.

FRANCÊS - Quando saí de França, para empreender esta viagem, que tinha por objetivo
fazer a felicidade de Ílhavo, entrei casualmente num adelo que tinha, numa vitrina, esta lâmpada exposta com este letreiro: Preciosidade de Ílhavo (Vende-se).

TINOCO (interessado) - E depois?

FRANCÊS - Fiquei radiante e imediatamente a adquiri, protestando logo fazer-vos, com ela uma surpresa. Sabia que vos tinha sido roubada, por intermédio do antigo jornal "O Brado" que publicou um artigo intitulado: "Costumes e Gente de Ílhavo" e onde minuciosamente vinha descrito o descarado roubo. Agora aí a tendes. Não a deixeis 'limpar' de novo.

TINOCO - Oh! Isso nunca! Vai ser guardada num cofre forte com sentinela à vista. 
Obrigado, meu caro Francês. Prestou ao povo de Ílhavo um alto favor.

Mal diria o pobre do Tinoco, (papel desempenhado, com mestria, pelo nosso amigo sr. João Teles) que, no dia seguinte, já ninguém sabia novamente onde parava a lâmpada, ficando todos convencidos de que ela havia sido outra vez roubada.
Mas não! Foi, sim, conduzida por engano, numa mala, para a América do Norte, onde agora foi adquirida e de novo trazida para Ílhavo. 
A lâmpada! Símbolo da ingenuidade de um povo tão bom, que deixa envolver-se na corrente de uma lenda que é o paradigma da sua singeleza.