quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Capela das Almas de Ílhavo

   Em 1911 foi demolida a Capela das Almas.



Vista de Ílhavo tirada de Cimo de Vila - c. de 1900
À esquerda a Matriz de São Salvador de Ílhavo e
à direita a cúpula com  campanário da Capela das Almas

   Tratava-se de uma capela existente, no meio da então Vila de Ílhavo, no seguimento da estrada distrital de ligação Vagos-Aveiro.

   Tinha  planta hexagonal e vasta cúpula circular com duplo campanário rematando a fachada.

   Foi mandada construir na segunda metade do século XVIII (1760) pelo Prior João Martins dos Santos, e sagrada em 1771. Em 1800, este referido prior, fez construir ao lado desta capela um hospital, projeto que embora iniciado nunca se chegaria a concluir-se. 
  
   Nesta capela estava ereta a Ordem Terceira da Penitencia de São Francisco de Ílhavo, que procedia à sua gestão, ocupando a Capela desde 1860.

   Em 24 de Outubro de 1910, à precisamente 100 anos, foi proposta a sua demolição.
Nos finais de 1910 aparece na imprensa ilhavense uma acesa polémica sobre a Capela das Almas, defendendo uns a sua demolição, outros a sua manutenção. Estava-se no advento da República, alastrando por todo o país inúmeras perseguições religiosas. A demolição da Capela das Almas foi resolvida em sessão camarária de 21de Dezembro de 1910, sendo presidente da Câmara de Ílhavo Eduardo Craveiro, com o fundamento de que ameaçava ruína e prejudicava a estética da Vila. 
Assim a 13 de Fevereiro de 1911 começam os trabalhos da sua demolição, constatando-se que afinal a Capela não se encontrava em vias de ruir, como anteriormente se anunciara!
   Extraímos da revista Archeologo Português de 1911, esta nota referente à sua demolição:

   Ilhavo, 9. - Esta Vila tão pobre de monumentos, onde não há edificio próprio para Paços Municipais, nem uma casa de escola e que apenas tem três templos, vai ficar sem a Capela das Almas
Cabem aqui as palavras de há 30 escreveu um escritor contemporaneo tambem a propósito da demolição de um templo: "os apologistas do progresso destruidor do século XIX, fazem a cada momento gravar nas paredes do templo, à ponta da picareta, a expressão atrocista - a terra"
   A comissão administrativa da Câmara Municipal, que ainda não empreendeu qualquer melhoramento, que conserva apagados alguns candeeiros da iluminação pública na parte central da Vila, concebeu a ideia de demolir a Capela das Almas, e, no fim de perto 60 dias de gerência, oficiou à autoridade administrativa dizendo que a Capela ameaçava ruína.
   Imediatamente a autoridade ordenou ao comissário da Ordem Terceira de São Francisco para que não mais ali celebrassem actos religiosos, sendo por isso interrompida a novena que se estava fazendo em honra da antiga padroeira da nação.
   Dias depois esteve ali um empregado de obras públicas examinando o templo, dizendo a maioria dos ilhavenses que o perito disse que o templo não ameaça ruína, mas que precisava de alguns reparos; dizendo o limitado numero de adeptos da demolição: que foi mandada pôr a terra.
   Seja qual for a opinião, o capricho erá por diante
   Publicamos a photografia da capela, prestes a desaparecer, que foi mandada construir no século XVIII pelo prior João Martins dos Santos.
   É de forma polygonal. A abobada, que é digna de apreço, é de cal e tijolo.
   Esta capela estava a cargo, há 50 anos, da Ordem Terceira de São Francisco, Daqui sai anualmente a procissão das Cinzas, sendo para admirar duas imagens, primorosas esculturas: São Francisco e Santo Ivo.
Ali havia diariamente duas missas, sendo a Capela predilecta dos nossos patricios Srs. cónego Ançã e abade Figueira, que ali celebravam missa quando visitavam Ílhavo.
   O sacristão septuagenário e com uma lesão cardiaca, que dali vivia, agora morrerá à fome.
   Terminamos com umas palavras de Alexandre Herculano: "o solo sobre que pesavas à séculos, desassombrado do teu vulto enorme, se converterá em aprazível soalheiro, e os soalheiros são hoje objectos de primeira necessidade no abastado Portugal".
   E assim será, poque não temos esperanças de que ali se faça mercado. Não há dinheiro, e a haver, há obras de mais necessidade, que interessam à saúde pública.

(Diário de Noticias, de 13 de Dezembro de 1910)

   Os sinos dos campanários são apeados em 22 de Dezembro de 1910 sendo parte do seu espólio vendido em hasta pública em 26 de Janeiro de 1910.  Por esta razão não consta do inventário móvel de 30 de Agosto de 1911.

São Francisco de Assis da Capela
 das Almas de Ílhavo
barro policromado, século XVII
   Do seu espólio faziam parte o conjunto retabular hoje desmembrado pela Igreja Matriz e Igreja de Nossa Senhora do Pranto.

   O seu retábulo-mor, que albergava ao centro a imagem de São Francisco de Assis e lateralmente as imagens de Santo António de Lisboa e São Gonçalo de Amarante, foi adaptado a retábulo lateral na Igreja Matriz de São Salvador de Ílhavo albergando hoje a imagem de Santo António. Os seus altares colaterais, que albergavam as imagens de Nossa Senhora da Conceição (hoje na Capela da Senhora do Pranto)e de São Vicente de Paulo (hoje na Capela da Misericórdia de Ílhavo),  foram adaptados a retábulos colaterais na Capela de Nossa Senhora do Pranto.


Procissão das Cinzas de Ílhavo -
Andor de Santa Clara
   Guardavam-se nesta Capela todos os móveis e objetos utilizados na Procissão das Cinzas de Ílhavo, entre estes as imagens de roca, processionais de São Francisco da Cruz e de São Francisco recebendo os estigmas, do escultor ilhavense Anselmo Ferreira, e ainda as imagens de Santo Ivo, Santa Isabel e de Santa Clara que se dizia muito milagreira e sob cujo andor engrinaldado das mais belas, viçosas e perfumadas flores, as mães passavam ao colo os filhinhos, para que a santa intercedesse e lhes desse um boa «fala, clara e breve».




Hugo Cálão, Out. 2010