Capela de Nossa Senhora do Pranto

Capela de Nossa Senhora do Pranto / Capela de Cimo de Vila de Ílhavo

Descrição:

   Edificado destacado em terreiro sobre plataforma, formando pequeno adro, com acesso por degraus em cantaria. Planta longitudinal composta por nave e capela-mor mais baixa e estreita. 
   Fachadas rebocadas e pintadas de branco com embasamento, cunhais e pilastras evidenciados a cor cinza. Fachada principal de três panos definidos por pilastras sobre as quais assenta cornija, que se eleva no pano central com perfil contracurvado de inspiração barroca; remate em empena recortada tendo no vértice cruz assente sobre pequeno pedestal. Pano central aberto por portal de moldura rectangular rematado por frontão interrompido e encimado por óculo de moldura polilobado. Cunhal esquerdo firmado por pináculo. À direita, torre sineira de dois registos, integrada no corpo da capela ao nível do primeiro registo e o segundo delimitado por cunhais apilastrados firmados por pináculos e rasgado por ventanas sineiras em arco de volta perfeita, remates em friso e cornija e cobertura piramidal encimada por cata-vento. 
Fachada lateral direita aberta por três óculos circulares, junto da cimalha.


Foto de finais de 1800
  Interior com coberturas em abóbada de arco abatido, com lunetas, onde se abrem óculos ovais, formando na nave três tramos e na capela-mor dois. Separados da nave por teia, dois altares colaterais com retábulos em talha dourada rocaille, de planta côncava de um só eixo, com mesas em forma de urna, enquadrados por colunas de fuste liso, assentes em plintos galbados, que sustentam fragmentos de frontão, encimados por anjos de vulto, abertos por nicho central de perfil contracurvado, o do lado do evangelho com imagem da Virgem dita do Sagrado Coração de Maria e no da epístola, assente em peanha, a imagem da padroeira, a Virgem do Pranto e Dores. Áticos recortados, profusamente decorados, representando o do lado da epístola resplendor com a face de Cristo e o do lado do evangelho resplendor circular com querubins alados.

No lado da epístola, púlpito quadrangular com bacia sobre consola alongada decorada com folhas de acanto com guarda de madeira torneada em balaustres, sem acesso lateral. 
   Arco-cruzeiro pétreo triunfal abatido abre-se para a capela-mor com dois óculos nas paredes laterais. Retábulo de altar-mor de planta recta e um eixo definido por par de colunas torsas assentes em plintos, enquadrando as imagens de São José e da Virgem com o menino. No eixo central aberto em camarim em arco de volta perfeita e tribuna de sete degraus. O acesso ao interior da torre sineira é feito por porta à direita da entrada, no interior da nave, que conduz a umas escadas em caracol.


Cronologia:    
Virgem da Piedade dita Nossa Senhora do Pranto
 pedra calcária policroma, século XVI
século XVI Construção do templo primitivo e cruzeiro fronteiro.

século XVII Púlpito e do retábulo principal provindo do Convento de Santa Ana de Coimbra.
1777-11-22 Autos de justificação feitos por Martinho Soares da Cunha e sua mulher Vicência Teles Mendonça e Meneses, da Freguesia de Ílhavo sobre a propriedade de uma sepultura na capela de Nossa Senhora do Pranto. (Arquivo da Universidade de Coimbra, Mitra e Cabido, cx. XI, doc. 3).
1790-08-13 Autos de requerimento de licença pedidos pelos atuais mordomos da confraria de Nossa Senhora do Pranto, da Vila de Ílhavo, para bênção da sua capela a fim de nela se poder celebrar. (Arquivo da Universidade de Coimbra, Mitra e Cabido, cx. XI, doc. 4). 
 

Historial:


O cruzeiro que existira defronte da capela encontra-se hoje deslocado nas reservas do Museu Marítimo de Ílhavo desde os anos 30.
Um dos mais admiráveis trabalhos em talha dourada existente na Paróquia é sem dúvida o retábulo central da Capela de Nossa Senhora do Pranto.
Capela de Nossa Senhora do Pranto, Ílhavo, c.1925
    Embora muitos não o saibam este altar, não é originário desta capela. Foi adquirido ao antigo Convento de Santa Ana, em Coimbra, então já fechado ao culto, pelo padre José António Morgado, conhecido por padre Calvo, e transportado daquela cidade para Ílhavo entre 1876-1892, altura em que a ordem de irmãs franciscanas se fixou naquele sítio fundando um recolhimento vocacionado para o ensino. Por esta ocasião as casas contíguas e a capela foram beneficiadas em obras para instalar um asilo onde as irmãs franciscanas instruíam os mais pequenos e desprotegidos. Os mais antigos recordam-se deste retábulo chegar transportado em carroças e do seu assentar na Capela.

   No início, a talha aplicava-se sobretudo no emolduramento de pinturas, mas a partir de meados de quinhentos, definirá e enriquecerá o espaço sacro, atingindo em Portugal, no período do Barroco, uma pujança e fulgor notáveis e absorvendo parcial ou completamente o interior dos templos, como é o caso deste.

    Adaptado em arco triunfal (atual leitura), este retábulo de madeira entalhada, segue o tipo plano com larga abertura de camarim, com trono eucarístico no interior. Compõe-se de dois pares de colunas torcidas com capitéis compósitos, decorados de parras, cachos de uvas e aves (no corpo) e de dois arcos a ligá-las, com decoração idêntica e de recamo vegetalista (no coroamento). Crê-se que as imagens que incorporam o retábulo foram trazidas do Convento de Santa Ana de Coimbra na mesma altura. Na peanha entalhada do lado direito está a imagem de S. José (chamado de solteiro, por ter como atributo uma vara florida e não o menino), que faz pendant com a imagem da Virgem do Sagrado Coração de Jesus (com menino ao colo e coração flamejante na mão direita), ambas datadas do séc. XVII, de madeira estofada e dourada, com bonita policromia floral nas vestes.

     O sacrário pousado na banqueta não sabemos se proveio do Convento de Santa Ana, constituindo uma prova em como este retábulo, na sua primitiva capela, não seria um retábulo central, pois só a partir do séc. XVI os retábulos principais passaram a incorporar o sacrário na sua estrutura. A base foi nesta altura aplicada também em talha de decoração vegetalista, substituindo os azulejos, e dando continuidade ao conjunto. Também, nesta altura, 1970, a mesa de altar provisória de madeira folheada foi substituída, dando lugar a uma mesa de altar de estilo semelhante ao retábulo, tal como o ambão. Já na década de 90 de 1900 foram restauradas as imagens candelárias, e colocadas em frente ao altar. Recentemente (2005)o teto da capela-mor foi restaurado, substituindo-se o forro velho de madeira, pelo estuque, e toda a capela foi pintada.

Vista de frente, c.1960
     O antigo Convento de Santa Ana, foi mandado construir por D. Catarina em 1493, e ali se instalaram freiras dominicanas. O imponente edifício situava-se perto do Mercado de Santana e o atual Banco Nacional Ultramarino em Coimbra. Foi demolido no já no séc. XX. O seu valioso espólio foi vendido e desmembrado.

   Os retábulos principais encontram-se hoje na Igreja Paroquial de Oiã. De edifício recente (1892), da mesma altura da venda do espólio, a sua importância reside no valor artístico destes retábulos provenientes do Convento de Santa Ana de Coimbra. O retábulo principal, de grande dimensão representa uma fase de transição da arquitetura retabular. O cadeiral de igual proveniência aparenta o do mosteiro de Chelas e os seus espaldares, dourados, albergam pinturas de séc. XVII.

     Conservamos nosso arquivo documental, os manuscritos das atas da Irmandade de Nossa Senhora do Pranto e Dores desde 10 de Junho de 1916 e da Associação de S. José desde 10 de Abril de 1951 (já extinta), ambas eretas na capela da Senhora do Pranto, bem como a acta da Junta de Paróquia de extinção da Archiconfraria do Imaculado Coração de Maria, ereta na mesma capela até Janeiro de 1871.


Hugo Cálão
in jornal “O Ilhavense”, de 01 Abril 2006