O património da Paróquia de São Salvador de Ílhavo é sem dúvida a história continuada e a mais real prova da vida religiosa e social da cidade. A história de Ílhavo não se escreveria sem este. Por isso, como registo físico da nossa memória, é essencial a sua conservação, valorização e divulgação. Este espaço servirá, na nossa modéstia, este propósito. Neste primeiro artigo, faremos um apanhado histórico da Igreja Matriz de Ílhavo, pois esta, foi e, é o centro da religiosidade da paróquia.
A Matriz terá sido sempre onde actualmente se encontra, à qual se conhece cerca de 500 anos de pastoreio de almas.
O primeiro registo data do priorado iniciado em 1541, do qual existiria um livro de baptismos de 1558, hoje em falta no Arquivo Distrital de Aveiro. Mas a referência mais completa está registada nas Informações Paroquiais de 1721 e 1758 publicadas pelo nosso conterrâneo António Rocha Madahíl, no artigo “Ílhavo no séc. XVIII”. É exactamente no século XVIII que a Matriz de Ílhavo irá ampliar-se na arquitectura que hoje conhecemos. Em 1733 reedifica-se e amplia-se a capela-mor, “por ser a antiga muito pequena e desproporcionada ao corpo da igreja, substituindo-se o altar antigo por retábulo e tribuna de talha moderna”, como refere na informação de 1758 o reverendo João Martins dos Santos, prior desde 1756.
Do retábulo primitivo, anterior ao actual, restam partes de tábuas policromadas e douradas convertidas em móvel na sacristia, existente no anteparo do retábulo da capela-mor.
Na informação paroquial de 1758 é descrita, também, grande parte da imaginária e escultura de vulto. Conclui-se, portanto, anterior a esta data a escultura de vulto do Divino Salvador e São João Baptista, em pedra policromada, do final do século XVI, a imagem de vulto da Nossa Senhora do Rosário em madeira, as imagens de Santa Luzia, de S. Brás, em pedra policromada, uma imagem de São Francisco, em barro, um Santo Amaro de madeira e São Sebastião, de pedra, um Ecce Homo, conhecido como o Senhor da Cana-Verde, em madeira policromada, do século XVI, uma imagem de Cristo crucificado, conhecido como Senhor Jesus dos Navegantes e um Cristo com cruz às costas, conhecido como Senhor dos Passos, ambos do séc. XVII, em madeira policromada.
A Igreja Matriz com a sua nova ampliada arquitectura é benzida e inaugurada em 1785
Da antiga tribuna do primitivo retábulo existem também um São Cristóvão, de barro e um Santo André, de pedra policromada, do mesmo porte e antiguidade das imagens quinhentistas do Divino Salvador e São João, e que devido à ampliação de 1733, deixaram de ter lugar no actual retábulo-mor.
Este património cultural deve conduzir as pessoas ao encontro com a vida da Igreja e deve mostrar como, ao longo dos séculos, essa mesma vida se foi adornando de obras de arte insignes, ao mesmo tempo que se coadunava com o ambiente cultural.
Através de um caminho artístico qualificado, conduzir-se-ão os apreciadores na direcção dupla da memória deste património e das circunstâncias da vida da igreja, onde os objectos sacros e o seu culto se deveram incluir.
Só neste sentido é que os objectos são, não só objectos materiais, mas bens criados por uma comunidade que organiza no tempo a sua própria ideologia cristã.
Hugo Cálão, in jornal “O Ilhavense”de 21 Fevereiro 2006