quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

História e Mistérios de Ílhavo: o fantasma da Rua Nova


Turismo 
dark é um termo utilizado para definir o turismo a lugares que possuem alguma relação com a morte (reais ou recriados), com o sofrimento, com a desgraça ou, de alguma forma, macabros.

Fotografia de José Fernandes Mano Agualusa,
Rosália Theodora Rainha e filhas Dorinda
 e Dárida habitantes na Casa da Rua Nova














Com o objetivo de criar em Ílhavo uma rota ou percurso para os entusiastas destas questões (morte, mortos-vivos, assassinos, ladrões, fantasmas, bruxas, lobisomens, sereias, e vampiros) relembramos a história do Fantasma da Rua Nova em Ílhavo, atual Rua João Carlos Gomes, noticiada no jornal 'O Ilhavense' de 17 de Março de 1929, descrito como a Casa Sinistra. A casa é hoje o restaurante Casa Velha do Hotel Ílhavo Plaza.

"É de há muito voz corrente por Ílhavo de que, em certa casa da Rua Nova, se vêm produzindo determinados acontecimentos de caráter estranho e até mesmo sobrenatural.

Convém, no entanto, informar o leitor que a casa em referência é um prédio de construção moderna, desse tipo característico que o urbanismo local criou entre nós de há vinte anos para cá (1929), e de que bastante se tem abusado: casa térrea rematada por mirante em chalé; grande porta central encimada pelo emblema náutico em granito, platibanda em balaústres, revestimento de azulejos, etc. A disposição interna é sabida: corredor central com aposentos laterais.

Circunda o prédio, um magnífico quintal, com lindas vistas para as vessadas, ribeiros e águas glaucas da ria, a que dá ingresso um amplo portão gradeado.

Como vê o leitor, não se trata de qualquer castelo roqueiro de tradições medievais ou solar bafiento e arcaico perdido em ermo serrano beirão, onde, em remotas eras, se tenha desenrolado alguma tragédia amorosa afogada em sangue por vingança cruel, sobre o qual a maldição de Deus e dos homens tenha caído implacável, fazendo sofrer, pelos seus desertos e sinistros salões sempre cerrados á luz criadora do dia, a alma penada de algum castelão ou gentil homem enganado e traído...

Nada disso!

O cenário é de hoje, os personagens são contemporâneos e bem conhecidos. Casa moderna, em rua alegremente ruidosa, é habitada de aluguer por uma família respeitável, cujas filhas, duma requintada distinção e risonha mocidade, lhe emprestam vida elegante, é feliz, perfumada, pelas rosas. e jacintos do seu jardim ...

Os aposentos, onde os factos estranhos se sucedem, decorados com arte rafinée, onde brilham lindos trabalhos de arte moderna aplicada, são alegres, inundados de luz, com um amoroso ambiente de conforto e distinção.

O corredor central!... Não; paremos aqui ... No entanto digamos apenas ... O corredor central, escasso de luz, frio no mosaico do seu piso, pesado na escariola embaciada das suas paredes, tem um ar triste, carregado, pressagiento ... E tem ele sido o teatro fatídico dos acontecimentos!... Deixemo-lo em paz, no nosso relato, se paz é possível existir ali...

Ora, até nós, chegara a informação de que há dias qualquer facto anormal se dera na fatídica casa da Rua Nova.

— Procure você a senhora (A), que algo poderá dizer-lhe! - disse-nos pessoa amiga.

Assim fizemos, neste justificado desejo de bem, informar os nossos leitores. A reportagem moderna impõe deveres e obrigações a que o jornalista não pode fugir. Dirigimo-nos, por isso, a casa da senhora (A) que mora ao fundo de um beco convergente da Rua Direita.

Era domingo, razão porque ela não fôra, como de costume, estar fora, granjeando honradamente a vida pelo trabalho. Fomos encontrá-la dando volta e arrumação à sua modesta, mas limpa e asseada casinha térrea de pobre. Sacudia o pó de alguns singelos móveis e ajeitava interessantes bibelôs que adornam a sala. Pelas paredes, brancas de jaspe, alguns quadros e pratos de decorações artísticas, e um sem número de policromos calendários reclames, dispostos com amorosa arte. Sobre uma coluna um solitário esfíngico, oferece-nos o perfume inebriante dum ramo de violetas e miosótis. Bendita seja a casa dos pobres onde reina a ordem e a limpeza...

 Desculpe-nos, minha senhora, se viemos interrompê-la no arranjo do seu ninho...

— Ora essa.. esteja à sua vontade. O que me quer?

—  Apenas que nos diga alguma coisa sobre o que presenciou há dias na casa da Rua Nova

— Oh! Por quem é não me avive semelhante facto Não sabe o quanto me faz sofrer. Meu Deus, meu Deus, não me abandoneis! Não, não! Deixe-me, por quem é; deixe em sossego o meu coração e os meus nervos! O que eu sofri, e o que eu tenho sofrido ultimamente!

E caiu semi-desfalecida sobre uma cadeira, ocultando o rosto nas suas finas e brancas mãos num gesto aflitivo de quem pretende evitar, ante os seus olhos mortificados, nova aparição do agoirento fantasma. Todo o seu corpo vibrava tremendo, imprimindo desencontrados movimentos á cadeira em que se apoiava. Era confrangedor e atemorizante, fazendo-nos vacilar no prosseguimento do nosso interrogatório. 

Procurámos animá-la.

— Então, então, tenha calma, sossegue, não vê que está em sua casa?

Voltou a si num gesto indeciso e cansado. Estava branca de neve, os olhos semicerrados, profundos e humedecidos. Sacudiu com abandono a sua cabeça de contornos impecáveis, abriu desmedidamente a sua boca outrora tão linda, e num grande hausto, respirando fundo, cobrou alento, enquanto ia limpando a fronte onde marinhavam contas de suor frio. 

E murmurou, então, num brando e rendido cicio:

— Eu costumo ir trabalhar para essa casa de quando em vez: pontear roupa, passar a ferro, etc. Estava, por isso, lá na quarta-feira última. O dia, triste é chuvoso, decorrera sem incidente, Mas, quase ao anoitecer, começámos a sentir em toda a casa um barulho inexplicável seguido dum bater forte de portas. Notei o facto, sendo-me dito pela filha mais velha da casa que não fizesse caso, porque isso era costume suceder não sabendo explicar a razão disso. Convém notar que no prédio só estávamos nós as duas e uma pequena vizinha. Não havia vento e todas as portas exteriores estavam fechadas.

— Onde trabalhavam? — interrogámos.

— No segundo compartimento da casa, ao lado nascente, que comunica com o corredor central. A certa altura, uma mesa que estava ao centro do aposento, começou agitando-se fortemente. Como sobre ela estava uma jarra de valor, avisei a dona da casa do risco que ela corria. Mas, nesse instante, a porta que dá para o corredor — oh, o fatídico e sinistro corredor! — abriu-se lentamente e, no seu limia, surgiu um vulto alto, espectral, envolto em roupagens brancas de longa cauda, olhos fixos em nós, agitando os braços lugubremente, e soltando um ruido estranho com o matraquear agoirento dos seus enormes dentes!... Avançava para nós a longas passadas, com riso satânico e petrificante evolvendo-lhe o rosto...

A aparição maldita quase nos tolheu os movimentos e fez emudecer. Eu, extremamente nervosa, agarrei-me com fúria á minha companheira que, transida de susto, me dizia a medo: 

— Largue-me, pelo amor de Deus, que quero fugir e não posso...

Eu, baixinho, atrapalhadamente, murmurava:

— Oh, alma minha não temas, vive constante na fé, que Jesus contigo é! Jesus! Jesus! Jesus!

Mas, num repelão violento, as minhas companheiras puderam fugir indo fechar-se na sala de jantar. Vendo-me só, ganhei forças e abalei também alcançando o quintal onde, abrindo o portão, gritei aflitivamente para a rua:

— Aqui d'el-rei! Acudam! Acudam!

Juntou-se gente, toda a vizinhança, que percorrendo a casa, nada encontrou. Apenas na sala de jantar as duas pequenas que ali se haviam refugiado, agarradas uma à outra gritavam, também, desesperadamente. De novo a nossa entrevistada se abandonou sobre um modesto divã, cansada, exausta por completo de forças, pelo relato dado que, avivando-lhe a estranha cena, fizera vibrar de novo os seus nervos.

Retirámo-nos agradecendo e cogitando maduramente sobre o que acabáramos de ouvir, contado com uma firmeza, sinceridade e ar de convicção, que fortemente nos impressionam. Como explicam os homens de ciência estes acontecimentos? Nós, não lhe fazemos comentários, limitando-nos ao simples relato dos factos que têm sido o assunto palpitante dos últimos dias na nossa terra."

Casa da Rua Nova (Rua João Carlos Gomes), Restaurante Casa Velha, 108, Ílhavo 


O sino e o relógio da igreja da Gafanha da Nazaré

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Como noticia o jornal O Ilhavense de 9 de Maio de 1930, tendo ganho a lotaria de Natal de 1929 Manuel Carlos Anastácio e Sebastião L. Conde compraram para a igreja da Gafanha da Nazaré uma máquina de relógio e um sino que ofereceram à freguesia