quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Natal em Ílhavo


Maquineta de Presépio
Autor desconhecido 
 provável fabrico regional (Aveiro) 
 móvel em madeira e
torrão em barro policromado e cortiça 
 séc. XVIII – XIX
     Em quase todas as Capelas de Ílhavo existem presépios, todos eles de gesso e sem valor artístico relevante ou antiguidade. Na  Igreja Matriz de São Salvador de Ílhavo existem dois conjuntos a referir: uma maquineta de presépio setecentista e um presépio de peças grandes, de gesso, ainda ao culto. Sabe-se um substituiu o outro.

    O torrão (corpo) do presépio setecentista está incorporado na zona superior de uma maquineta (armário envidraçado com duas portas exteriores e cinco gavetas e porta interior). Representa, em barro policromado e cortiça lembrando as tradicionais “cascatas”, a cena do nascimento de Cristo e chegada dos Reis.

    A feitura de presépios de barro cozido e policromado foi prática corrente durante todo o séc. XVIII, existindo muitos exemplares, alguns deles, felizmente, ainda hoje completos, como os existentes no Museu de Aveiro.

    Infelizmente do nosso Presépio desapareceram as figuras centrais, a Sagrada Família, existindo destas apenas registo fotográfico. Ilustrando bem o restante conjunto, refere M. de Morais, “depois temos as figuras tradicionais: os pastores com as suas ofertas de ovelhas, caça, leite, frutas, e os Reis Magos, com incenso, a mirra e o ouro. Mas, além destes, há todo um mundo de personagens que se agitam, que se dirigem para o templo onde se encontra o Divino recém-nascido. O escultor deste deu largas à sua imaginação. Figuram ali o povo todo, radiante de alegria, porque nasceu Jesus, o Salvador do mundo. Ele sabe que o Natal é uma doce e alegre festa cristã. A festa das crianças, a festa do amor e do lar. Por isso, as suas figuras do presépio bailam e cantam; por isso, elas encaminham-se para junto do Divino Menino, levando-lhe os mimos da vida aldeã, as novidades da horta, o que de melhor encontraram na capoeira, no curral, na adega, na pocilga. Tudo o que o povo estima e ama. É uma romaria viva alegre e generosa. O escultor não esqueceu o régio cortejo dos Reis Magos, com soldados, cavalos, camelos – elefantes, até! – todos ricamente preparados, e a alegria do povo, as cenas típicas das aldeias, como o moleiro e o seu moinho de vento. Não é preciso chamar a atenção para esta ou aquela figura de um Presépio setecentista. Elas vêm ter connosco, direitas ao nosso coração, tão vivas se encontram na nossa tradição, tão portuguesas e tão belas como, talvez, nenhumas outras da nossa estatuária.”

Sagrada Família
Palmiro da Silva Peixe / desenho aguarelado a sépia / 1976
Espólio da Matriz de São Salvador de Ílhavo
    Desconhece-se a autoria das pequenas figuras deste conjunto. Estava antes das obras de restauro na sacristia velha da igreja Matriz, hoje a casa mortuária, passando para o núcleo museológico da Paróquia, onde actualmente se encontra.

    O presépio ao culto foi adquirido a 16 de Dezembro 1964 pelo prior D. Júlio Tavares Rebimbas. Comprado na casa União Gráfica em Lisboa custou na altura 1.705$50. É composto por 11 figuras grandes de gesso policromado: a Virgem, S. José e o Menino, um par de animais, um terno de reis, dois pastores, um músico de gaita-de-foles, e três pastores mais pequenos.

    Das nove aguarelas e desenhos existentes do pintor Palmiro Peixe no nosso espólio, esta ilustra bem a quadra natalícia. Foi oferecida por este para um leilão destinado à angariação de fundos para o restauro da Igreja Matriz em 1976, juntamente com um conjunto de aguarelas representando as capelas da Paróquia, das quais existem a dos Moitinhos e a da Vista Alegre. Existe também um Ex-voto do Sr. Jesus dos Navegantes pintado por Palmiro Peixe no início da sua obra pictórica, representando o lugre Gafanhoto, oferecido pelo Capitão Amândio Mathias Lau e tripulação em 1933.

Hugo Cálão
in o jornal “O Ilhavense”, de 01 Dezembro 2006

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Custódia do Divino Salvador

Custódia do Divino Salvador
c. 1940
Autor desconhecido / provável fabrico regional (Aveiro) 
prata relevada incisa e dourada, cristal de rocha, vidro /
século XVI – último quartel ; 1575 - 1600
92 alt x 45 larg x 26,5 prof
     Como refere Marques Gomes, “desconhece-se a sua proveniência. Diz-se que foi comprada em Lisboa nos fins do séc. XVIII e trazida então para Ílhavo. Em 1808 não teve a sorte de tantas outras que foram parar às mãos dos franceses, pelo decreto de Junot, porque a pessoa que a tinha sob sua guarda, a ocultou numa cova que abriu sobre a abobada do coro da igreja e ali a conservou até 1814 ou 1815. Todos a julgavam perdida, quando num dia de festividade aquele indivíduo a foi desenterrar e atravessou com ela triunfante por entre a multidão que enchia o vasto templo onde ecoou logo um brado uníssono de alegria e agradecimento ao vê-la. Bem disseram todos então feliz lembrança do honrado juiz da igreja em esconder a custódia, salvando assim das garras do invasor tão preciosa alfaia”.

     A custódia da paroquial de Ílhavo é uma soberba peça de transição entre o tipo de custódia com hostiário em forma de templete, para hostiário circular totalmente liberto de elementos arquitetónicos. É uma das mais referenciadas custódias ao nível nacional.
     Esteve presente na exposição retrospectiva de Arte Ornamental de Lisboa e na Exposição Distrital de Aveiro, em 1882, onde foi fotografada por E. Biel, e ainda na exposição de Arte Religiosa de 1895 em Aveiro, e mais tarde, na Exposição de Ourivesaria Portuguesa dos séc. XIII a XVII, realizada em 1940 em Coimbra, para a qual foi restaurada, entre outras mais. (Vd. foto)
     Embora sem marcas de ourives, poderemos apontar com possível datação o último quartel de 1500 (séc. XVI), com semelhanças na custódia-cálice de Belém (o nó), e igual morfologia nas três custódias de fabrico de Aveiro de menor dimensão existentes no Museu Machado de Castro de Coimbra, na Misericórdia de Aveiro e na paróquia de Vagos (a base e hostiário).
    De referir que neste período a paróquia de São Salvador de Ílhavo teve como prior D. Pedro de Castilho, filho do arquiteto Diogo de Castilho, o que poderá corresponder a uma encomenda daquele prelado. (ver+)

     De altura invulgar, quase um metro, é alteada em quatro elementos distintos (de baixo para cima).

1. A base, polilobada em dois registos, com um escudo esquartelado de armas dos Castros, Costas, Peixotos e Câmaras (segundo A. Nogueira Gonçalves, 1959) e timbre de chapéu abacial. 

2. O nó, hexagonal, com corpo arquitetónico em forma de templete.

3. A urna, com pedras verdes, de que pendem pingentes de cristal de rocha, e sobre a qual estão quatro anjos em adoração, de joelhos, com turíbulos esféricos que lhes pendem das mãos com recortes triangulares vazados.

4. O hostiário, circular, cercado de um grande resplendor de raios ondeados e direitos, sendo rematados por estrelas de vidros vermelhos e azuis. Remata a nossa custódia, a imagem de vulto do Divino Salvador, abençoando com as mãos e sustendo bandeirolas, envolto em resplendor oval com raios direitos e ondeados.      



Brasão inciso na base
Leitura Heráldica:    Escudo esquartelado: 1.º de ALMEIDAS ou MELOS; 2.º SÁ ou COTRIM ou PEIXOTO; 3.º de COSTA; e 4.º de CÂMARA.

Descrição e análise:

Almeida:  De vermelho, com seis besantes de ouro entre uma doble-cruz de ouro, cujos braços tocam a bordadura, tudo do mesmo metal.

Melo:  De vermelho, com seis besantes de prata entre uma doble-cruz de ouro, cujos braços tocam a bordadura, tudo do mesmo metal.

Sá: Enxequetado de prata e azul de seis peças em faixa e oito em pala.
 
Costa:  De vermelho, com seis costelas de prata, postas 2, 2 e 2, firmadas no flanco do escudo.




Hugo Cálão
in jornal 'Família Paroquial', de Março de 2005
in jornal 'O Ilhavense', de 1 Março 2006


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Párocos de Ílhavo: D. Júlio Tavares Rebimbas 1949-1964

Elementos para uma foto -biografia:

   Faleceu no dia 6 de Dezembro, aos 88 anos, D. Júlio Tavares Rebimbas, ex-prior da Paróquia de São Salvador de Ílhavo, e ilhavense convicto de coração ... como gostava de relembrar!

   D. Júlio Tavares Rebimbas nasceu na freguesia de São Mateus de Bunheiro, concelho da Murtosa, a esse tempo Diocese do Porto, em 21 de Janeiro de 1922, filho de Sebastião Tavares e de Maria Antónia Tavares Rebimbas, ele  agricultor, ela costureira.
   Frequentou o Colégio de Ermesinde e o Seminário de Vilar, no Porto, até 1939. Por motivo da criação da Diocese de Aveiro, frequentou o 6º ano no Seminário dos Olivais, em Lisboa, o 7º ano no Seminário de Santa Joana em Aveiro e concluiu o curso teológico no Seminário dos Olivais, em 1945.
   Foi ordenado presbítero pelo Arcebispo-Bispo de Aveiro, D, João Evangelista de Lima Vidal, em 29 de Junho de 1945, em Pardilhó.

   Celebrou Missa Nova, na sua terra natal, em 8 de Julho de 1945, sendo, no mesmo ano, nomeado Coadjutor do Pároco de Ílhavo.
   Em 1946 foi nomeado Pároco de Avelãs de Cima e Avelãs de Caminho, em Anadia.

 Em 21 de Outubro de 1949, foi nomeado Pároco de Ílhavo, em 1951, Arcipreste de Ílhavo e em 1952, Professor de Religião e Moral.

Obra de reconstrução da Igreja Matriz
de São Salvador de Ílhavo - c. 1951
    Desde 1951, empenhou-se na reconstrução a Igreja Matriz de São Salvador de Ílhavo e da residência Paroquial.
   Em 1958, foi nomeado Vigário Judicial da Diocese de Aveiro, em 1959, Vigário Geral da mesma Diocese e ainda nesse ano, nomeado Monsenhor, por S.S. o Papa João XXIII.
   Em 1961, nomeado Diretor do Colégio Liceal João de Barros, em Ílhavo.
   Em 21 de Janeiro de 1962, eleito Vigário Capitular da Diocese de Aveiro, por falecimento de D. Domingos da Apresentação Fernandes e a 8 de Dezembro do mesmo ano, Governador do Bispado de Aveiro, na ausência de D. Manuel de Almeida Trindade.
   Em 1963, nomeado Consultor Diocesano e de novo Vigário geral.
   Foi presidente da Assembleia Geral da Santa Casa da Misericórdia de Ílhavo, e Membro de várias Comissões e Conselhos. Fundou, em 1954, o boletim "Família Paroquial", o Centro de Formação e Assistência de Ílhavo, o Património dos Pobres de Ílhavo, o "Lar de S. José" destinado a pessoas idosas e 18 casas para famílias pobres.
Obra de reconstrucção da residência
Paroquial de Ílhavo - c. 1951

   Em 11 de Outubro de 1965 participa no Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-1965); tinha na altura 43 anos, quando em 27 de Setembro de 1965 foi eleito pelo S.S. Papa Paulo VI, para Bispo do Algarve.

  Em 26 de Dezembro, dia de Santo Estêvão, do mesmo ano, foi ordenado Bispo, no Estádio Municipal de Ílhavo.

   Em fins de Janeiro de 1966 tomou posse da Diocese do Algarve, tendo sido eleito Delegado Nacional para a Pastoral do Turismo, no mesmo ano.
   Em 1 de Julho de 1972, eleito Arcebispo de Mitilene e Auxiliar do Cardeal Patriarca de Lisboa, e eleito Presidente da Comissão Episcopal da Educação cristã, no mesmo ano.
   Em 3 de Novembro de 1977 eleito pelo Santo Padre Paulo VI para primeiro Bispo da Diocese de Viana do Castelo, criada na mesma data.
   Em Junho de 1981 eleito Presidente da Comissão Episcopal da Liturgia.

  Ordenação de Bispo do Algarve no
Estádio Municipal de Ílhavo - 26 de Dezembro de 1965

   Em 12 de Fevereiro de 1982 nomeado Bispo do Porto e na mesma data Administrador Apostólico de Viana do Castelo.Tomou posse da Diocese do Porto em 2 de Maio de 1982.

   No dia 15 de Maio recebeu o Santo Padre João Paulo II, no Porto, tendo sido eleito no mesmo ano para o Conselho Permanente do Episcopado Português.
   Nomeado em 4 de Janeiro de 1986 para Membro da Congregação dos Bispos.
   Nesse ano fez lançamento e execução de obras de restauração da casa da Rua da Boa Vista, das Palhacinhas, do Seminário da Sé, da Casa Episcopal e da Torre da Marca.
 Organizou o congresso Diocesano dos jovens, em 1986, o congresso Diocesano de leigos em Dezembro de 1988, e o lançamento da Construção do Centro Diocesano de Vilar em Fevereiro de 1989, concluído em 1993.
   Fez o lançamento da reconstrução da Casa Diocesana de S. Paulo, em Cortegaça, em 1990, concluída em 1992, e a reconstrução de um pavilhão do Seminário Médio do Bom Pastor, em 1994.
   Organizou o congresso Diocesano da Família em 1994, e a reconstrução da Cúria Diocesana e do Tribunal Eclesiástico em 1995.
   Em 31 de Maio de 1997 recebe a Medalha de Honra da Câmara Municipal do Porto.

Em 31 de Junho de 1997, com a Nomeação de D. Armindo Lopes Coelho para Bispo do Porto, foi aceite a resignação como Bispo do Porto.

No dia 19 de Julho de 1997, a Diocese do Porto homenageia o que foi o Bispo nos últimos 15 anos, em Cerimónia Solene na Casa Diocesana de Vilar.

A 7 de Janeiro de 2018, dia da Epifania do Senhor, o seu corpo é trasladado do cemitério do Bunheiro para a Catedral de Viana do Castelo.

Hugo Cálão, Dez 2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Descrição da Vila de Ílhavo em 1706/08 pelo Pe. António Carvalho da Costa

Corografia do Pe. António Carvalho da Costa
A descrição da Vila de Ílhavo feita pelo Pe. António Carvalho da Costa está redigida na página 91 do seu segundo volume da Corographia portuguesa, e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal, com as noticias das fundações das cidades, villas & lugares, que contem, varões illustres, genealogias das famílias nobres, fundações de conventos, catálogos dos bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edifícios, & outras curiosas observaçoens.


Descrição da Vila da Ílhavo em 1706/08


    A uma légoa de Aveiro para o poente tem seu assento esta Villa de Ílhavo, povoação com quinhentos vizinhos, com uma Igreja Paroquial da invocação de São Salvador, priorado que rende mais de três mil cruzados, e que é da apresentação do senhor desta terra, a qual é abundante de pão, milho, legumes, frutas, vinho, gado, caça, e tem muitas marinhas de sal. O seu termo tem estes lugares: Coutada com huma ermida de Santo António, Ribas, Preza, Moitas com uma ermida de Santa Bárbara, Val de Ílhavo de.cima com uma ermida do Espírito Santo, a Quinta da Boa Vista com outra ermida de Santiago, Val de Ílhavo, de baixo, Chousa-a-Velha, e Verdemilho com sua ermida.
    Rui Fernandes de Almada foi um cidadão nobre de Lisboa no tempo dos Reis Dom Afonso V, e Dom João II, o qual no ano de 1496, se ocupou em vários negócios de sua fazenda com boa aceitação, e se entende ser descendente dos Almadas deste Reino pelas Armas, que El Rei D. João III deu a seu neto Rui Fernandes de Almada, que são as mesmas desta familia com pouca diferença. Casou o dito Rui Fernandes de Almada, e teve filho: Fernão Rodrigues de Almada.
Fernão Rodrigues de Almada, que foi Capitão de uma nau da Índia no ano de 1502, casou com Catarina Carreira de Almada, filha de Bartolomeu Gomes de Almada, e de sua mulher Beatriz Carreira, de que teve, entre outros filhos, Rui Fernandes de Almada.
Rui Fernandes de Almada, que foi Embaixador do Rei D. João III a El Rei Francisco de França, e teve em Catarina de Anveres, mulher nobre daquela Cidade, entre outros filhos, Fernão Rodrigues de Almada.
Fernão Rodrigues de Almada, que foi Provedor da Casa da Índia, e do Conselho de Felipe II, casou com Dona Isabel de Moura, filha de Luís de Moura, Alcaide mor de Castelo Rodrigo, e Estribeiro-mór do Infante Don Luís, e de sua mulher Dona Brites de Távora, a qual Dona Isabel de Moura era irmã do famoso Dom Christovão de Moura, primeiro Marquez de Castelo Rodrigo. Teve este Fernão Rodrigues de Almada da dita sua mulher, entre outros filhos, e filhas, que casaram illustremente, como também suas irmãs, Cristóvão de Almada.
Christovão de Almada, que foi Provedor da Casa da Índia, e senhor de Carvalhais, e Verdimilho, por casar com Dona Luiza de Mello, filha de André Pereira de Miranda, senhor das ditas terras, e de sua mulher Dona Felipa de Mello, de que teve, entre outros filhos, Rui Fernandes de Almada.
Rui Fernandes de Almada, que foi Provedor da Casa da Índia, e Commendador de São Miguel do Rio de Moinhos, na Ordem de Christo, com outros lugares, casou com Dona Madalena de Lencastre, filha de Martim Afonso de Oliveira, senhor deste Morgado, e de sua mulher Dona Helena de Lencastre, de que teve, entre outros filhos, Cristóvão de Almada.
Cristóvão de Almada, que é Provedor da Casa da Índia, senhor das Vilas de Ílhavo, Ferreiros, e Avelans de Cima com muitos lugares, Comendador na Ordem de Christo, foi GentiI-homem da Câmara do Principe Dom Pedro, Veador da Rainha, Coronel do Terço da Nobreza desta Corte, Governador, e Capitao General de Mazagão, casou a primeira vez com Dona Luiza de Eça, sua prima co-irmã herdeira de sua casa, filha de D. João de Eça, e de Dona Brites de Lencastre, irmã segunda da dita sua mãe Dona Madalena de Lencastre, de que teve muitos filhos, que todos morreram. Casou segunda vez com Dona Filipa de Mello, filha de Dom Luís de Almada, senhor do Pombalinho, e de sua mulher Dona Luiza de Menezes, de que teve a D. Inês de Lencastre, que foi Dama do Paço, e casou com Dom Vasco Lobo, Barão de Alvito, e Conde de Oriola; e a Dona Maria Antonia de Almada, que foi a herdeira desta Casa, a qual casou com D. Bernardo de Noronha, filho segundo de Dom Thomás de Noronha, Conde dos Arcos, de que teve, entre outros filhos, a Francisco José de Almada.
Hugo Cálão, Nov 2010

Descrição de Ílhavo em 1803:

Vila, cabeça de concelho, Douro, comarca e 5 km ao sul de Aveiro, 240 km ao norte de Lisboa, 65 km ao sul do Porto; 2065 fogos; 8000 almas. Tem 1405 fogos na vila e 660 no resto da freguesia. Em 1757 tinha 1023 fogos. Orago São salvador. Bispado e distrito administrativo de Aveiro. No concelho os mesmos fogos pois é só formado por esta freguesia. 

Situada em fértil e bonita planície, banhada na direção NS pela formosíssima Ria de Aveiro.
 

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Capela das Almas de Ílhavo

   Em 1911 foi demolida a Capela das Almas.



Vista de Ílhavo tirada de Cimo de Vila - c. de 1900
À esquerda a Matriz de São Salvador de Ílhavo e
à direita a cúpula com  campanário da Capela das Almas

   Tratava-se de uma capela existente, no meio da então Vila de Ílhavo, no seguimento da estrada distrital de ligação Vagos-Aveiro.

   Tinha  planta hexagonal e vasta cúpula circular com duplo campanário rematando a fachada.

   Foi mandada construir na segunda metade do século XVIII (1760) pelo Prior João Martins dos Santos, e sagrada em 1771. Em 1800, este referido prior, fez construir ao lado desta capela um hospital, projeto que embora iniciado nunca se chegaria a concluir-se. 
  
   Nesta capela estava ereta a Ordem Terceira da Penitencia de São Francisco de Ílhavo, que procedia à sua gestão, ocupando a Capela desde 1860.

   Em 24 de Outubro de 1910, à precisamente 100 anos, foi proposta a sua demolição.
Nos finais de 1910 aparece na imprensa ilhavense uma acesa polémica sobre a Capela das Almas, defendendo uns a sua demolição, outros a sua manutenção. Estava-se no advento da República, alastrando por todo o país inúmeras perseguições religiosas. A demolição da Capela das Almas foi resolvida em sessão camarária de 21de Dezembro de 1910, sendo presidente da Câmara de Ílhavo Eduardo Craveiro, com o fundamento de que ameaçava ruína e prejudicava a estética da Vila. 
Assim a 13 de Fevereiro de 1911 começam os trabalhos da sua demolição, constatando-se que afinal a Capela não se encontrava em vias de ruir, como anteriormente se anunciara!
   Extraímos da revista Archeologo Português de 1911, esta nota referente à sua demolição:

   Ilhavo, 9. - Esta Vila tão pobre de monumentos, onde não há edificio próprio para Paços Municipais, nem uma casa de escola e que apenas tem três templos, vai ficar sem a Capela das Almas
Cabem aqui as palavras de há 30 escreveu um escritor contemporaneo tambem a propósito da demolição de um templo: "os apologistas do progresso destruidor do século XIX, fazem a cada momento gravar nas paredes do templo, à ponta da picareta, a expressão atrocista - a terra"
   A comissão administrativa da Câmara Municipal, que ainda não empreendeu qualquer melhoramento, que conserva apagados alguns candeeiros da iluminação pública na parte central da Vila, concebeu a ideia de demolir a Capela das Almas, e, no fim de perto 60 dias de gerência, oficiou à autoridade administrativa dizendo que a Capela ameaçava ruína.
   Imediatamente a autoridade ordenou ao comissário da Ordem Terceira de São Francisco para que não mais ali celebrassem actos religiosos, sendo por isso interrompida a novena que se estava fazendo em honra da antiga padroeira da nação.
   Dias depois esteve ali um empregado de obras públicas examinando o templo, dizendo a maioria dos ilhavenses que o perito disse que o templo não ameaça ruína, mas que precisava de alguns reparos; dizendo o limitado numero de adeptos da demolição: que foi mandada pôr a terra.
   Seja qual for a opinião, o capricho erá por diante
   Publicamos a photografia da capela, prestes a desaparecer, que foi mandada construir no século XVIII pelo prior João Martins dos Santos.
   É de forma polygonal. A abobada, que é digna de apreço, é de cal e tijolo.
   Esta capela estava a cargo, há 50 anos, da Ordem Terceira de São Francisco, Daqui sai anualmente a procissão das Cinzas, sendo para admirar duas imagens, primorosas esculturas: São Francisco e Santo Ivo.
Ali havia diariamente duas missas, sendo a Capela predilecta dos nossos patricios Srs. cónego Ançã e abade Figueira, que ali celebravam missa quando visitavam Ílhavo.
   O sacristão septuagenário e com uma lesão cardiaca, que dali vivia, agora morrerá à fome.
   Terminamos com umas palavras de Alexandre Herculano: "o solo sobre que pesavas à séculos, desassombrado do teu vulto enorme, se converterá em aprazível soalheiro, e os soalheiros são hoje objectos de primeira necessidade no abastado Portugal".
   E assim será, poque não temos esperanças de que ali se faça mercado. Não há dinheiro, e a haver, há obras de mais necessidade, que interessam à saúde pública.

(Diário de Noticias, de 13 de Dezembro de 1910)

   Os sinos dos campanários são apeados em 22 de Dezembro de 1910 sendo parte do seu espólio vendido em hasta pública em 26 de Janeiro de 1910.  Por esta razão não consta do inventário móvel de 30 de Agosto de 1911.

São Francisco de Assis da Capela
 das Almas de Ílhavo
barro policromado, século XVII
   Do seu espólio faziam parte o conjunto retabular hoje desmembrado pela Igreja Matriz e Igreja de Nossa Senhora do Pranto.

   O seu retábulo-mor, que albergava ao centro a imagem de São Francisco de Assis e lateralmente as imagens de Santo António de Lisboa e São Gonçalo de Amarante, foi adaptado a retábulo lateral na Igreja Matriz de São Salvador de Ílhavo albergando hoje a imagem de Santo António. Os seus altares colaterais, que albergavam as imagens de Nossa Senhora da Conceição (hoje na Capela da Senhora do Pranto)e de São Vicente de Paulo (hoje na Capela da Misericórdia de Ílhavo),  foram adaptados a retábulos colaterais na Capela de Nossa Senhora do Pranto.


Procissão das Cinzas de Ílhavo -
Andor de Santa Clara
   Guardavam-se nesta Capela todos os móveis e objetos utilizados na Procissão das Cinzas de Ílhavo, entre estes as imagens de roca, processionais de São Francisco da Cruz e de São Francisco recebendo os estigmas, do escultor ilhavense Anselmo Ferreira, e ainda as imagens de Santo Ivo, Santa Isabel e de Santa Clara que se dizia muito milagreira e sob cujo andor engrinaldado das mais belas, viçosas e perfumadas flores, as mães passavam ao colo os filhinhos, para que a santa intercedesse e lhes desse um boa «fala, clara e breve».




Hugo Cálão, Out. 2010

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tesouros da Matriz de São Salvador de Ílhavo - Exposição 4 a 6 Set. 2010

Ouro, prata, pedras, fio, madeira,  ...arte, suor humano!

   Tesouro é um depósito antigo de coisas preciosas, oculto e sem memória, perdido há tanto tempo que já não se sabe quem é o dono.
   Este apontamento de exposição serviu para mostrar o que de melhor existe no património não visível da Paróquia de São Salvador de Ílhavo, o que está oculto, para que a memória do mesmo, a sua identidade e posse, ou, o seu sentido de pertença, fique nas nossas memórias também.

As colecções da Paróquia de São Salvador testemunham, no seu conjunto, mais de VII séculos da história da Arte e da vida da Igreja em Ílhavo.

Desde o trabalho de inventário da colecção, decorrido em 2005/06, foi possível identificar no seu valioso espólio um total com cerca de 3000 peças, um dos mais numerosos da Diocese de Aveiro, constituído por colecções de ourivesaria, joalharia, cerâmica, escultura, mobiliário, metais, pintura, têxtil e documental, distribuídas por 12 igrejas.
Deste sacro tesouro destacou-se um número par em cada categoria das existentes na Igreja Matriz, peças exemplares no contexto artístico e de relevante valor estético e religioso.

Ourivesaria
1.Patena com pé
ourives de Lisboa, prata e prata dourada, século XVI – 1520
2.Custódia do Divino Salvador
possível ourives regional (Aveiro?), prata dourada, século XVI (c. 1580-1600)

Têxteis
3.Frontal-de-altar do Sacramento e Almas
autor desconhecido, linho e lhama de seda bordada a fio de ouro e prata, século XVIII
4.Paramento-rico
autor desconhecido, 2ª metade do século XVIII, lhama de seda natural bordada a fio ouro, adquirido em 1864

Escultura
5.Virgem da Conceição
autor desconhecido, século XVII-XVIII, madeira estofada
6.Menino-Jesus
autor desconhecido, século XVIII, madeira estofada

Joalharia
7.Brincos (par)
possível ourives regional (Ílhavo?), século XVII, ouro, esmalte verde, aljôfares
8.Cruz-peitoral relicário
oferta de gratidão dos pescadores portugueses a D. Manuel Trindade Salgueiro, Ourivesaria Aliança, Porto, século XX – 1962, ouro vazado, relevado e inciso, ametistas, brilhantes e pérolas

Pintura
9.Martírio de Santa Úrsula
autor desconhecido, século XVII-XVIII, óleo sobre tela
10.Almas do purgatório autor desconhecido, fabrico regional, século XVIII-XIX, óleo sobre madeira

Hugo Cálão, Set 2010

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O património da Paróquia de São Salvador de Ílhavo é sem dúvida a história continuada e a mais real prova da vida religiosa e social da cidade. A história de Ílhavo não se escreveria sem este. Por isso, como registo físico da nossa memória, é essencial a sua conservação, valorização e divulgação. Este espaço servirá, na nossa modéstia, este propósito. Neste primeiro artigo, faremos um apanhado histórico da Igreja Matriz de Ílhavo, pois esta, foi e, é o centro da religiosidade da paróquia.

A Matriz terá sido sempre onde actualmente se encontra, à qual se conhece cerca de 500 anos de pastoreio de almas.

O primeiro registo data do priorado iniciado em 1541, do qual existiria um livro de baptismos de 1558, hoje em falta no Arquivo Distrital de Aveiro. Mas a referência mais completa está registada nas Informações Paroquiais de 1721 e 1758 publicadas pelo nosso conterrâneo António Rocha Madahíl, no artigo “Ílhavo no séc. XVIII”. É exactamente no século XVIII que a Matriz de Ílhavo irá ampliar-se na arquitectura que hoje conhecemos. Em 1733 reedifica-se e amplia-se a capela-mor, “por ser a antiga muito pequena e desproporcionada ao corpo da igreja, substituindo-se o altar antigo por retábulo e tribuna de talha moderna”, como refere na informação de 1758 o reverendo João Martins dos Santos, prior desde 1756.

Do retábulo primitivo, anterior ao actual, restam partes de tábuas policromadas e douradas convertidas em móvel na sacristia, existente no anteparo do retábulo da capela-mor.

Na informação paroquial de 1758 é descrita, também, grande parte da imaginária e escultura de vulto. Conclui-se, portanto, anterior a esta data a escultura de vulto do Divino Salvador e São João Baptista, em pedra policromada, do final do século XVI, a imagem de vulto da Nossa Senhora do Rosário em madeira, as imagens de Santa Luzia, de S. Brás, em pedra policromada, uma imagem de São Francisco, em barro, um Santo Amaro de madeira e São Sebastião, de pedra, um Ecce Homo, conhecido como o Senhor da Cana-Verde, em madeira policromada, do século XVI, uma imagem de Cristo crucificado, conhecido como Senhor Jesus dos Navegantes e um Cristo com cruz às costas, conhecido como Senhor dos Passos, ambos do séc. XVII, em madeira policromada.

A Igreja Matriz com a sua nova ampliada arquitectura é benzida e inaugurada em 1785

Da antiga tribuna do primitivo retábulo existem também um São Cristóvão, de barro e um Santo André, de pedra policromada, do mesmo porte e antiguidade das imagens quinhentistas do Divino Salvador e São João, e que devido à ampliação de 1733, deixaram de ter lugar no actual retábulo-mor.

Este património cultural deve conduzir as pessoas ao encontro com a vida da Igreja e deve mostrar como, ao longo dos séculos, essa mesma vida se foi adornando de obras de arte insignes, ao mesmo tempo que se coadunava com o ambiente cultural.
Através de um caminho artístico qualificado, conduzir-se-ão os apreciadores na direcção dupla da memória deste património e das circunstâncias da vida da igreja, onde os objectos sacros e o seu culto se deveram incluir.

Só neste sentido é que os objectos são, não só objectos materiais, mas bens criados por uma comunidade que organiza no tempo a sua própria ideologia cristã.

 Hugo Cálão, in jornal “O Ilhavense”de 21 Fevereiro 2006