O povo, na sua eterna crendice, na sua doce lenda, fantasiando as mais extraordinárias aspirações e a existência dos mais extravagantes seres, anda agora preocupado com a aparição duma moira encantada que a certas horas surge à flor das águas na romântica Fonte de Alqueidão, exibindo a sua loira e farta cabeleira doirada e as formas lindas do seu corpo esbelto, meio mulher e meio peixe ...
-“Uma moira encantada na Fonte de Alqueidão!...'
A notícia correu célere. A lenda ateou entre as almas simples. A crença lavrou fundo nos peitos ingénuos que à volta do caso vão tecendo as mais inverosímeis versões.
Crianças e velhos palmilham a quase deserta rua de Alqueidão, numa irritante credulidade, para observarem de viso esse monstro mitológico que a desoras surge no seu encanto para ouvir - quem sabe? talvez o melodioso gorjeio dos rouxinóis nestas suaves noites de primavera!...
Aquele poético o solitário retiro onde o cantarolar das águas da fonte forma harmonioso conjunto com os dobrados do passaredo, tem tido, nestas ultimas noites, tanta concorrência que os verdadeiros moiros e moiras - namorados e namoradas - que por ali sonhavam na quebra dos seus encantos, foram obrigados a procurar outras solidões onde mais à vontade possam por em prática esses sortilégios amorosos ...
-“Uma moira encantada!... A atávica credulidade !
Aquele ruído estranho, aquele ronronar pesado e surdo que representa para a crendice popular o ressonar profundo da moira, nas horas calorentas da sesta, ou nas horas silenciosas da noite; aquele misterioso murmúrio que tanto pode ser o trabalhar das águas nas entranhas da terra, como o resfolgar dum reptil, cala mais fundo no âmago da populaça, infunde mais no espirito das gentes, que todos os exórdios que hajam de se pregar para opor como barreira a essa fantasia das almas simples e crédulas!
-“Uma moira encantada!...“ Oh! a eterna crendice deste povo!
in jornal O Ilhavense de 5 de Maio de 1930