Documentos, informações, registos, memórias.
O património material da Paróquia é indissociável do seu património imaterial, assim como das vivências e devoções da cidade.
Neste contexto, o do património imaterial, incluem-se as valências paroquiais, e nestas, os recursos humanos que, ao longo dos anos, foram registando em suportes materiais (em livros de actas, apontamentos escritos, registos administrativos, documentos de aquisição, imagens fotográficas), as vontades e memórias da nossa comunidade cristã.
Ao longo de muitos anos, várias entidades, públicas ou privadas, têm desenvolvido as suas actividades em prol de um determinado fim, procurando contribuir para o desenvolvimento do meio onde se inserem.
Essas entidades, quer tenham cariz económico, político religioso ou social, prosseguem a sua missão, deixando, no desenrolar das suas acções e com o passar do tempo, vários documentos, registos, notas informativas ou imagens sobre o que foi o seu papel no contexto local do qual fazem parte. O conjunto desses documentos é o arquivo dessa instituição, reflexo das suas actividades e funções, espelho da sua missão.
Os arquivos, surgindo como registo de memória dessas instituições, são, consequentemente parte integrante e essencial da história do seu concelho. O que se entende como memória colectiva do concelho é o conjunto de várias “histórias” que não são só as deixadas pelas instituições públicas ou estatais.
Dela fazem parte também instituições “nascidas” de iniciativas particulares mas essenciais para uma percepção geral do concelho no qual se inserem. No entanto, os arquivos destas instituições constituem espólios normalmente voláteis, sujeitos a várias mudanças no contexto interno (instalações precárias, mudanças de direcção e gestão) ou contexto externo (evolução histórica, política e social).
De facto, muitas vezes, o descuido dos homens ou a degradação natural de documentos antigos sem que haja preocupações de conservação, leva a uma perda irreparável da documentação e consequentemente de informação e conhecimentos insubstituíveis sobre a história local e da nossa memória colectiva.
Foi o que aconteceu com a documentação histórica da Paróquia de São Salvador de Ílhavo. Esta instituição, fundada com oito séculos comprovados de registos documentais perdeu muita documentação da data da sua fundação.
Contudo do que sobreviveu até hoje, iniciando-se os trabalhos de inventário da Paróquia, deu-se início também à organização e recolha dos vários documentos dispersos, alguns em posse de privados, agrupando-os e constituindo um fundo de Arquivo Histórico Paroquial. A documentação foi organizada de acordo com um critério orgânico-funcional, separada e relacionada pelos vários organismos paroquiais, correspondendo as espécies documentais mais significativas aos livros de actas Junta da Paróquia de São Salvador, tombos e documentos da Irmandade do Santíssimo Sacramento e Almas, tombos de Rol de Confessados da Freguesia de São Salvador de Ílhavo, livros das Conferências de São Vicente de Paulo da Paróquia e alguns livros de actas das restantes Irmandades e Confrarias.
O fundo respeitante à Irmandade do Santíssimo Sacramento e Almas de Ílhavo regista espécies documentais sobre foros de propriedades desde 1711. Este é o fundo documental mais antigo e mais completo que a Paróquia de Ílhavo conserva, documentação com mais de 150 anos, estando hoje os responsáveis pela instituição conscientes da importância deste fundo documental para o conhecimento da história local.
Além destes registos de gestão de propriedades e foros muitos outros deveriam existir mas, com o desaparecimento de um primitivo Tombo das Irmandades do Senhor Jesus, das Almas, de São Sebastião e de Nossa Senhora do Rosário, entre 1920 e 1940, não poderemos precisar quantos. Contudo, existem dois arrolamentos de treslado respeitantes a esta informação, um datado de 14 de Novembro de 1810, e outro de Janeiro de 1941, onde se referem parte das propriedades e aforamentos das restantes quatro Irmandades, recuperando-se parte da informação perdida.
Cremos que, de entre as instituições de Ílhavo, como a Misericórdia, Câmara Municipal e algumas Juntas de Freguesia, a Paróquia de São Salvador é aquela que possui documentação que melhor reconstitui a genealogia e vivência da Freguesia na segunda metade do século XIX, ainda em regular estado de conservação.
Muitos desses documentos, produzidos na altura com o objectivo de registar funções e actividades diárias, são hoje uma fonte essencial de dados históricos não só sobre a Paróquia mas também sobre o modo de vida, hábitos e costumes daquela época.
É o caso dos dois livros de “Actas da Junta de Paróquia de São Salvador de Ílhavo”, um desde Abril de 1865 a Dezembro de 1876, presidindo o Arcebispo Pereira Bilhano e o Prior João André Dias, e outro livro de Maio de 1887 a Abril de 1910, presidindo o Prior Thomé Antunes e o Prior Manuel Branco Lemos, e onde ficavam registadas as sessões da Junta e as mais variadas informações sobre educação, gestão de imóveis, festas religiosas, problemas diários na gestão do cemitério da freguesia, arruamentos e obras da Igreja Matriz.
Com elevado interesse documental estes livros são de um valor insubstituível para se conhecer a história desta instituição e do próprio concelho. Não são, no entanto, os únicos. Outros livros e registos documentais soltos dão-nos também informações valiosas para quem queira estudar a história paroquial e a história das famílias e toponímia do século XIX em Ílhavo.
É o caso dos livros de “Rol de Confessados da Paróquia de São Salvador de Ílhavo”, datados de um período de um século compreendido entre 1850/1952, listagem onde se registava anualmente todos os residentes na paróquia com idade superior a sete anos, distribuídos pelos fogos a que pertenciam e organizada por ruas e lugares. Era realizada pelo pároco por altura da Quaresma, com o objectivo de registar o cumprimento dos preceitos religiosos associados a este importante período do calendário religioso católico.
Quatro exemplares positivos da colecção de negativos em vidro do fotógrafo Paulo Namorado |
Encontramos nestas listagens os nomes completos dos indivíduos casados ou viúvos e dos solteiros isolados ou cabeças de casal de cada família. Os dependentes solteiros são identificados apenas pelo seu nome próprio.
Os membros da família são sempre apresentados hierarquicamente em relação ao indivíduo cabeça de casal. Trata-se de uma fonte privilegiada para a História da família já que nos permite alcançar com muito rigor a composição da unidade familiar e a sua localização espacial.
Existe igualmente um fundo de Arquivo das Conferências de São Vicente de Paulo (1932-1983).
Outro importante registo está presente na colecção de negativos fotográficos legados à Paróquia pelo Sr. Paulo Namorado, um dos primeiros fotógrafos ilhavenses.
Esta colecção reúne um conjunto de imagens de 886 negativos fotográficos em vidro, agrupados em 40 caixas de cartão (239 negativos-10x15cm; 158 neg-9x12cm; 39 neg-6,5x9cm; 423 neg-4,5x6cm), que datam de um período compreendido entre 1928 e 1940. Resumem-se na sua maioria, a retratos individuais e de família, retratos de crianças e retratos de comunhão, rostos e trajes da população ilhavense do início do século passado, que se encontram agora inventariados e conservados.
O fundo de livro antigo é igualmente outra das preciosidades documentais de digno registo, contendo para o século XVII quatro livros impressos, um de 1668 – “Thesouro de Ceremonias” da oficina de Diogo Soares de Bulhões, de 1688 uma “Biblia Sacra” da oficina de Petri Guillimin & Ant. Beaujollin, de 1691 – “Inchiridion de Missas Solemnes e Votivas” por Mathias de Sousa Villalobos editado em Coimbra para cantochão e de 1695 – “Meditações das Domingas do Anno compostas pelo Pe. Bertolomeu do Quental”.
A importância de termos acesso a arquivos bem documentados, vivos e acessíveis que permitam o estudo, a reflexão e a pesquisa com fundamento foi o ponto de partida para este nosso propósito.
Desta forma, procura-se garantir o acesso a fontes primárias para investigação o que nos assegura que possamos aceder a documentos e factos fidedignos, que podem servir de base a pesquisas e investigações sobre o nosso concelho de Ílhavo e Freguesia de São Salvador.
Hugo Cálão
in jornal 'Família Paroquial', Out 2006