domingo, 20 de dezembro de 2020

Contributos para a religiosidade marítima em Ílhavo - Ora Bamos lá com Deus!

Em tributo ao meu bisavô, Capitão Francisco dos Santos Cálão, 
ao bisavô da Marlene, Manuel Rodrigues da Paula e aos que deram a sua vida ao mar!
Dedicado aos nossos filhos, Zé Miguel, João Pedro e Leonor 

Ílhavo, terra de marinheiros e pescadores de bacalhau! Homens de fé que, fazendo igreja dos seus barcos, lugres e dóris, sulcaram um oceano de tormentas e naufrágios em busca do sustento dos filhos e mulheres que por eles rezavam junto da imagem do Senhor Jesus dos Navegantes na igreja de Ílhavo, o seu cantinho natal.

Hoje, embora apartados dessa dura e inimaginável realidade, tentaremos dar testemunho do quão extenuante seria um dia de pesca de um pescador de linha, desde os "Louvados" (invocação religiosa com que se faz o despertar), até que, vencido pela fadiga e pelo sono, cairia no beliche para descansar umas escassas horas (três ou quatro nas vinte e quatro) retemperando forças para recomeçar luta idêntica no dia seguinte.
Lugre Santa Izabel, foto MMI


Imaginemo-nos então na década de 30, vendo a tripulação a bordo de um lugre bacalhoeiro (neste caso, e por sentimento familiar de imaginação, a bordo do navio Santa Izabel, para a campanha de 1937, conduzida pelo meu bisavô Francisco e onde curiosamente o bisavô da minha mulher também embarcou como pescador) - um total de 50 homens: capitão, imediato, piloto, motorista, ajudante de motorista, pecadores de 1.ª, 2.ª e 3.ª linha, pescadores, moços, verdes, escaladores, salgadores, cozinheiro e demais trabalhadores do bacalhau.

A madrugada, límpida e calma, é prometedora de um bom dia de pesca no Virgin Rocks (o Grande Banco, plataforma da Terra Nova).

Entremos! Mal pomos o pé a bordo ouvimos o vigia que grita em voz forte os "Louvados":

Seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo! Olha que são quatro horas!! Ó mestre! Dê o almoço aos homens! (Muitos dão os Louvados cantando).

Logo todos se levantam e, depois de prontos, encaminham-se para a mesa; comida a refeição a hora tão matutina, vão receber o isco para os anzóis, que varia entre sardinha, cavala ou lula; vestem os fatos de oleado compostos das seguintes peças: calça, ou saia, casaco, botas de borracha de cano até à coxa, e na cabeça enfiam o sueste. (- o chapéu de oleado assim chamado por se usar contra a chuva que vem da direção do mesmo nome.)

Em seguida, o cozinheiro dá a cada um a aviação (- merenda) para todo o dia: peixe frito, pão, um barril de água, e alguns mais felizes levam consigo aguardente sua, se a têm, metendo tudo isto no foquim. (- a vasilha própria para levar a comida semelhante aos tarros do Alentejo)

A companha (- tripulação) vai-se juntando no convés para o mata-bicho distribuído por um moço: um bom cálice de forte aguardente a cada um. Calçando luvas de lã (- luvas especiais só com um dedo, o polegar, e uma espécie de saco para os restantes dedos de modo a que, em contacto direto uns com os outros aqueçam mais rapidamente), dirigem-se então para junto dos dóris empilhados no convés, e começam a arrear, isto é, a ir para o mar. O capitão a uma borda do navio, o imediato a outra, vão arreando os botes, cada qual com o respetivo pescador dentro. 
Ao ser arreado à água o pescador descobre-se do sueste e diz com todo o respeito e muita fé, benzendo-se alguns: 

Ora bamos lá com Deus!

No dóri (-do inglês dory), toda a palamenta, ou estrafego está em ordem: foquim com a aviação; a vela enrolada num pequeno mastro desmontável; o ferro de ancoradouro; o rodo ou corda do ferro; dois riles (- do inglês reel) que é um aparelho de madeira com punhos para o fácil manejo das linhas, cada um com a sua linha enrolada e a sua zagaia ou chumbada na extremidade, sendo usada uma ou outra se o peixe exige, ou não, o isco; um bartedouro para escoar a água do dóri; um búzio para chamar em caso de perigo; agulha de marear; dois desembuchadores, ou paus com meia braça de comprido que servem para tirar o anzol do bucho do bacalhau quando este engole o isco; balde para escoar a água e que às vezes é aproveitado para deitar nele o isco tirado do peixe pescado; roleto para alar o ferro; duas forquetas; dois remos; um cesto para o trole (- conjunto de 12 linhas, ou mais, com 50 braças cada uma e para cima de 600 anzóis distanciados uns dos outros cerca de uma braça, nome que vem do inglês trawl); finalmente uma linha com 50 braças para a baliza, ou boia, com o seu grampolim. (do inglês grapnel, um pedaço de ferro ou chumbo com 5 a 6 quilos e que é lançado ao fundo do mar.)


Remando, ou com a vela içada se está vento de feição, o homem do dory navega na direção em que o seu palpite lhe diz haver peixe. Chegada a altura em que lhe parece própria, arreia o pano e começa a pesada tarefa de largar o trole. Lança a baliza à água exclamando: 

Vai na hora e no nome de Deus!

E começa a remar até que a linha da baliza fique bem esticada, e, feito isto, mete os remos dentro, largando o grampolim que prenderá a baliza no fundo do mar, segurando sempre no mesmo sítio. Começa então a iscar anzol por anzol, que vai deitando à água, deslizando o dóri à rola, conforme o vento. Largada a última das linhas, amarra a extremidade ao próprio ferro do bote e espera o tempo que lhe parecer suficiente, consoante a abundância de peixe. E neste momento está a cerca de 1700 metros da boia e a 10 milhas, ou mais, do seu navio.
Entretanto, enquanto espera, para não arrefecer e aproveitar o tempo, enfia as nepas (- espécie de ligas largas de borracha que protegem as mãos e evitam que as linhas as firam e magoem), desenrola as linhas dos riles e começa a zagaiar, operação que consiste em largar na água a zagaia até uma braça de fundo, e depois fazê-la subir e descer verticalmente cerca de dois metros, num movimento rápido de frente para trás.

A zagaia é um pedaço de chumbo com 25 cm de comprimento, brilhante, de forma oblonga, sustentando dois anzóis em baixo em forma de fateixa. E o bacalhau, que é um peixe extremamente voraz, ao ver o chumbo a brilhar e a mexer, abocalha-o julgando ser alimento. Tanto basta para ser fisgado pelos anzóis grossos da arma que o seduziu. Entre a zagaia e a linha à ainda um engenho de ferro de nome suevo (- do inglês swivel) e que serve para evitar que as linhas se distorçam.

Passadas umas horas com o trole na água, o pescador começa a pesada tarefa de o alar. Recolhe as linhas palmo a palmo, desembaraça o peixe dos anzóis, e o trole vai entrando no cesto, ficando disposto circularmente com os anzóis para dentro.
Ao apanhar o primeiro peixe, solta a mesma invocação bela, mas agora, como acto de grato reconhecimento:

Graças a Deus que já me estreei!!

Os anzóis que ficaram sem isco são iscados de novo, e o bacalhau vai enchendo os dóris. Se o peixe pescado cobre só o lugar ocupado pelo balde, é peixe a balde, ou um quintal; se chega à altura da sarreta, é peixe à sarreta, ou quintal e meio; a ré cheia é peixe à ré, ou dois quintais; a ré cheia e ainda algum à proa, é peixe à proa, ou dois quintais e meio; bote carregado são três quintais e meio a quatro; fundo tapado é o mesmo dez quilos; jaja tapada representa um quintal.


Se encheu o bote e ainda ficou por alar parte do trole, vai a bordo levar o bacalhau pescado e volta ao local onde tem o aparelho para terminar a recolha da pesca; se não carregou o dóri, dá nova trolada ali mesmo ou em sítio diferente. E assim todo o dia, até que o capitão faça a chamada; bandeira içada no topo do mastro. 
Por vezes o trole não apanha só bacalhau; pesca também guelhas ou tubarões. E é perigosa  a recolha desses animais! Ao vê-los, o pescador toma o remo e brande-o, com força e ódio, contra o seu maior inimigo, por lhe destroçar as linhas, comer e afugentar a pesca, além do perigo que representa para o próprio homem voltando-lhe o bote. E locais há ainda em que, se a recolha do trole for demorada, pode cair em cima do bacalhau preso aos anzóis uma multidão fantástica de pulgas do mar que comem o bacalhau em poucas horas, deixando apenas as espinhas.

Vendo a bandeira da chamada, todos os homens começam a dirigir-se para o navio. É quase sempre ao pôr-do-sol, mas têm ainda muito que fazer antes que se possam deitar!
Depois de longas horas a pescar no dóri, o pescador tem mais umas horas de jornada de trabalho a escalar e a salgar bacalhau. Este acréscimo de tarefas ao trabalho no dóri deixa o pescador exausto no final da jornada. Conforta-o uma chora (-caldo de cabeça de bacalhau) e pão e depois o escasso tempo de descanso. 
Santa Isabel, gesso policromado, Igreja paroquial de Ílhavo
Santa Isabel, c. 1935
gesso policromado,
Igreja paroquial de Ílhavo

Para hoje não há mais e amanhã Deus dará! 

Pois logo mais, nova jornada intensa de trabalho se perspetiva. Os "Louvados" vão voltar com o amanhecer enevoado e frio da Gronelândia.

O lugre Santa Izabel naufragou a 22 de outubro de 1958 por água aberta na viagem de regresso dos bancos da Terra Nova. 

Francisco dos Santos Calão - CAMPANHAS/NAVIOS - Águia (1921); Silvina; Rosita; Santa Izabel (1936-37); Santa Joana (1938-46); São Gonçalinho (1948-53)

Manuel Rodrigues da Paula - CAMPANHAS/Navios - 1º Primeiro Navegante (1943); Alan Villiers (1955-58). http://homensenaviosdobacalhau.cm-ilhavo.pt/header/diretorio/showppl/818 



Hugo Cálão - Ílhavo, 20 de Dezembro de 2020

domingo, 6 de dezembro de 2020

Os ex-votos "perdidos" da Igreja de Ílhavo

 Em 1937 Diniz Gomes, quase que antevendo o descaminho e volatilidade a que o património religioso das nossas igreja está sujeito, descreveu em listagem detalhada 22 dos 24 ex-votos pintados que existiam na parede lateral do altar do Senhor Jesus dos Navegantes da Igreja Matriz de Ílhavo.

Dos 24 mencionados, então, sobrevivem hoje no espólio da Igreja Paroquial de Ílhavo 19, descritos em 2007 na publicação, Senhor Jesus dos Navegantes- Mar e devoção.

Hoje, na esperança de que alguém possa informar do paradeiro dos cinco desaparecidos publicamos a listagem e fotografia dos "perdidos"!

Agradecemos a quem nos faça chegar informações, histórias e fotografias antigas dos ex-votos outrora existentes na parede lateral do altar do Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo.

"Dão-se alvíssaras!"


Ex-votos em falta do Senhor Jesus dos Navegantes da Igreja de São Salvador de Ílhavo:

1 - Ex-voto Senhor Jesus dos Navegantes / Chalupa Patriota

(subscrição: Oflréçe este Cuadro ao S.re Jesus João Simões Chuva i seu Cunhado Julio Antonio da Silva. i a Mais tripulação. ass: H. B. Praça)

2 - Ex-voto Senhor Jesus dos Navegantes / Barca Glama

(subscrição: José da Costa Carolla Offerece ao Senhor Jesus a Barca «Glama» em promessa. ass: Mathias)

3 - Ex-voto Senhor Jesus dos Navegantes / Barca Glama

(subscrição: Offerece a tripulação da Glama)

4 - Ex-voto Senhor Jesus dos Navegantes / Hiate Grande Batista

(subscrição: Millagre que fez o Senhor Jezus á tripulação do Hiate Grande Batista no dia 20 de Dezembro de 1869. Estando no mar de baixo uma grande tempestade na Latit. 41-40 N. e Long. de 9-53, pediram ao Senhor Jesus que os livrasse da morte e os levasse a porto de salvamento, e logo d'ahi a pouco virou o vento, o foram caminho de Lisboa aonde entraram no dia 22 do mesmo mez, a salvam.to)

5 - Ex-voto Senhor Jesus dos Navegantes / Hiate Conceição de Aveiro

(subscrição: Hiathe Conceição d'Aveiro − Offerecido por José Marques ao Snr. Jesus)

Ver + em: http://ww3.aeje.pt/avcultur/Avcultur/ArkivDtA/Vol03/Vol03p117.htm

Hugo Cálão, 06 Dez 2020

Na foto ex-voto em falta.
Fotografia de 1972 representado ex-voto de um vapor, em falta, .


sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Párocos naturais de Ílhavo: Pe. João Manuel Cajeira

O Pe. João Manuel Cajeira nasceu em Ílhavo a 16 de Agosto de 1928, filho de Manuel Pereira Cajeira e de Maria do Nascimento. Frequentou o Seminário de Santa Joana, Aveiro e o dos Olivais em Lisboa, sendo ordenado sarcedote em 29 de Junho de 1954, na Sé de Aveiro por D. João Evangelista de Lima Vidal. Iniciou-se como Vigário Paroquial de Águeda, sendo pároco de Águeda a 2 de Janeiro de 1957, sendo nomeado a 11 de Dezembro de 1958  pároco na Paróquia de São Lourenço de Pardelhas, concelho da Murtosa, onde permaneceu, durante 37 anos. Foi, também, Capelão da Santa Casa da Misericórdia da Murtosa e professor no Externato da Murtosa, em Ovar e Estarreja. Faleceu em Pardelhas a 27 de Outubro de 1995, sendo sepultado no cemitério de Ílhavo.




quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A oração do Mar - por D. Manuel Trindade Salgueiro, 1947


imagem: Igreja de Nossa Senhora da Areias de São Jacinto, pormenor do painel de cerâmica "Eucaristia do mar", 1994, Jeremias Bandarra e Zé Augusto
contributo para uma religiosidade ligada ao mar (Hugo Cálão 2020)
"De todas as obras da criação, o mar é das que mais alto proclamam a sabedoria e o poder de Deus. Alarga-se o olhar ansioso pela amplidão da sua superfície, e o espírito parece abismar-se no Eterno. Até às vezes há a impressão de que na orla do horizonte, onde o azul da água se confunde com o azul do céu - dois azuis religiosos - vai surgir o Criador que faz o mar tão vasto e tão profundo.
Do seu mistério insondável, também nós participamos. Mistério de imensidade, mistério de energia, que não cansa! Em crise revolta de tempestade e em horas pacíficas de calmaria, sempre a voz cava do mar é salmo compungido. Reza a oração de louvor, que é devida a Deus, por suas perfeições infinitas; reza a oração de agradecimento, que a sua munificiência divina merece.
Envoltos em atmosfera subtil de misticismo, aprendem os marinheiros a viver - até sem o saberem - aquele sentimento religioso, que dá asas para o voo das alturas. Imersos em imensidade, sentem a imensidade de Deus que os ampara, em contacto diário e intimo com o misterioso poder que os domina, compreendem, como poucos, o poder supremo do Invisível, tornado visível nas obras que por amor criou.
Com o mar rezam e choram, pois são orações e lágrimas as suas promessas fervorosas, os seus devotos "louvados", os seus ex-votos comovidos, a sua indescritível nostalgia da vastidão oceânica.
Talvez não consigam traduzir, em formulas teológicas, a sua sede de infinito, mas nem por isso ela deixa de ser ardente e actuante.
Também as populações ribeirinhas de Ílhavo e Aveiro, habituadas à oração do mar, aprendem a rezar com ele, mesmo quando não embarcam. Dai o bordado gracioso das capelinhas do litoral, onde desafogam as suas emoções, gritam aflitivamente as suas súplicas e entoam com entusiasmo os seus louvores.
Tinha um encanto especial a pregação do Salvador, quando fazia da proa de pequenos barcos a sua cátedra predilecta. Sempre penetrante e vigorosa, a sua palavra era acompanhada da oração do Mar de Tiberiades, que aumentava ainda o sabor religioso da sua doutrinação de luz."
(nota: aos heróicos trabalhadores do mar, que partiram para as longínquas paragens do Norte, afim de que toda a mesa portuguesa seja farta e alegre.)
- imagem: Igreja de Nossa Senhora da Areias de São Jacinto, pormenor do painel de cerâmica "Eucaristia do mar", 1994, Jeremias Bandarra e Zé Augusto

quarta-feira, 29 de julho de 2020

São Salvador, o padroeiro da Freguesia de Ílhavo

São Salvador 
calcário policromado 
atribuído à oficina de João de Ruão
c. 1575; Século XVI ; inv PILH04 0008

O património religioso da freguesia de São Salvador de Ílhavo é sem dúvida a história continuada e a mais real prova da vida social da cidade. A história de Ílhavo não se escreveria sem este. Por isso, como registo físico da nossa memória, é essencial a sua conservação, valorização e divulgação.

Honrando o seu padroeiro, a Junta de Freguesia de Ílhavo encomendou uma réplica em madeira da escultura de São Salvador, à empresa casa Arte Sacra de Fânzeres em Braga, empresa que na década de 50 e 60 do século 20 realizou para a matriz algumas das esculturas ao culto, escultura que ficará no edifício da Junta de Freguesia e que servirá para relançar a realização da festa do padroeiro da Freguesia, que se celebra no dia 6 de Agosto. Este objectivo estava traçado para o ano de 2020 com procissão, no entanto, a situação de pandemia que vivemos veio adiar este propósito festivo da sua comemoração, celebrando-se apenas a festa litúrgica com Eucaristia na Igreja Matriz no domingo dia 9.

Já em 1220, na inquirição de D. Afonso II na terra do Vouga, se faz referência a Ílhavo e sua igreja, referida no rol das igrejas da Diocese de Coimbra de 1209 como dedicada a Sanctus Salvator de padroado régio e oito casais. 

A primitiva escultura existente na matriz é uma soberba imagem renascentista em calcário policromado, atribuída à oficina de João de Ruão, provável encomenda de D. Pedro de Castilho, filho do arquiteto Diogo de Castilho, que em 1574 foi prior da Igreja de Ílhavo. 

D. Pedro de Castilho foi uma das figuras mais destacadas de Portugal durante o governo da dinastia filipina (1580 - 1640), onde ao abrigo do que ficara estabelecido nas Cortes de Tomar de 1581, a regência do Reino de Portugal devia ser sempre confiado pelo rei a um português, ou em alternativa a um membro da Família Real. Pedro de Castilho, como 7.º bispo da Diocese de Angra, foi por duas vezes Vice-Rei de Portugal, de 24 de Maio de 1605 a Fevereiro de 1608 e no ano de 1612.

Seu pai, Diogo de Castilho, importante arquiteto e escultor biscainho nascido em finais do século XV, em 1528, elaborou a reconstrução do portal e das abóbadas da Igreja de Santa Cruz, em Coimbra e, durante mais de cinquenta anos, trabalhou em parceria com o escultor João de Ruão, o que poderá explicar a renovação arquitetónica do século 16 da Matriz de São Salvador de Ílhavo, visível hoje apenas nas quatro esculturas sobreviventes do primitivo retábulo-mor que se suspeitam do seu risco: São Salvador, Santo André, São João Baptista e São Cristóvão. 

A imagem de Cristo está representada no momento da sua transfiguração, em posição frontal, de pé e descalço, vestindo túnica de cor azul ultramarino, debruada a galão de ouro e decorada com elementos vegetalistas e florais a ouro, policromia aplicada no século XIX. O tratamento da cabeça mostra a mestria das oficinas da renascença Coimbrã, de nariz recto, maçãs do rosto salientes e lábios finos rasgados na horizontal, envolvido pela barba ondulada, de cor castanha e cabeleira ondeada que cai sobre as costas. Encontra-se com a mão direita levantada, abençoando com o indicador e dedo médio e segurando na mão esquerda, junto ao tronco, orbe esférica de cor azul, símbolo do cosmos, encimada por uma grande cruz de cor castanha, símbolo da sua paixão, preconizando-o como Divino Salvador da humanidade. 

Julho 2020 Hugo Cálão, mestre em História e Património

domingo, 14 de junho de 2020

Relicário de São Francisco Marto, pastorinho de Fátima em Ílhavo

in jornal O Ilhavense de 15 de Junho 2020


Este artigo trata da identificação, salvaguarda e mediação de bens culturais de relevante interesse patrimonial e devocional na Diocese de Aveiro, pretendendo dar a conhecer a cruz peitoral-relicário do arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro, montada sobre relíquia das ossadas de Francisco Marto, pastorinho de Fátima pertença do espólio da Paróquia de São Salvador de Ílhavo.
Cruz peitoral-relicário de São Francisco Marto ouro, ametista, diamantes, esmalte Ourivesaria Aliança, seculo XX, 1941 Legado do Arcebispo de Évora Dom Manuel Trindade Salgueiro à Igreja Paroquial de São Salvador de Ílhavo,  depositada por familiares no Museu Marítimo de Ílhavo
Cruz peitoral-relicário de São Francisco Marto
ouro, ametista, diamantes, esmalte
Ourivesaria Aliança, seculo XX, 1941
Legado do Arcebispo de Évora Dom Manuel Trindade Salgueiro
à Igreja Paroquial de São Salvador de Ílhavo, 
depositada por familiares no Museu Marítimo de Ílhavo

Muitos desconhecem que na igreja de Ílhavo existe esta especial relíquia de São Francisco Marto, pastorinho de Fátima, das poucas fora do santuário. 
A história cruza o momento da exumação das ossadas do pastorinho com a presença de D. Manuel Trindade Salgueiro.

Francisco, o pastorinho de Fátima, nasce a 11 de Junho de 1908 em Aljustrel, paróquia de Fátima, sendo o penúltimo dos sete filhos de Manuel Pedro Marto e Olímpia de Jesus. 

Relembrando a pandemia atual, foi vítima da epidemia da gripe pneumónica que assolou o país, também conhecida por gripe espanhola, adoecendo a 18 de outubro de 1918, pouco mais de um ano depois da última Aparição da Virgem, doença que chegara a Portugal no meio desse ano e em pouco tempo causou a morte de dezenas de milhares de pessoas.

Morre serenamente pelas no dia 4 de Abril de 1919, aos 10 anos, sendo sepultado no cemitério de Fátima no dia seguinte.
Foi canonizado juntamente com a sua irmã Jacinta pelo Papa Francisco a 13 de maio de 2017 no Santuário de Fátima e centenário da aparição.

Os seus restos mortais foram identificados e exumados, em 17 de fevereiro de 1952, e trasladados para a Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em 13 de março de 1952, onde repousa no braço direito do transepto. 

No dia da exumação terá sido entregue a D. Manuel Trindade Salgueiro, na altura aí presente como Arcebispo de Mitilene, um pequeno fragmento das ossadas do pastorinho doado pelo pai de Francisco, Manuel Marto, que o nosso bispo do mar devotamente resguardou juntamente com folha da oliveira da aparição, na sua cruz-peitoral. 
A sua cruz peitoral foi encomendada na Ourivesaria Aliança em 11 de Janeiro de 1941 e oferecida pelo povo de Ílhavo por subscrição a D. Manuel Trindade Salgueiro na sua sagração como Bispo de Helenópolis no dia 24 de Fevereiro de 1941 em Lisboa, missa presidida por D. António Antunes, Bispo-Conde de Coimbra e D. João da Silva Campos Neves, Bispo de Vatarba, coincidindo com o 20º aniversário da sua primeira missa.






sábado, 30 de maio de 2020

A Virgem da Penha de França de Ílhavo - Santuário Mariano 1707

Santuário Mariano e Historia das Imagens milagrosas de Nossa Senhora, 1707, Frei Agostinho de Santa Maria


A Virgem da Penha de França da Vista Alegre de Ílhavo

Partilho convosco a comunicação feita em 21-04-2018 sobre a Igreja da Vista Alegre de Ílhavo e o culto à Virgem da Penha de França pois muitos desconhecem o porquê da sua construção e dedicação.

Lisboa dedicou à Virgem da Penha de França (ou a Virgem de Simão Vela) uma das sua mais magníficas igrejas após a famosa batalha de Alcácer-Quibir, quando perdemos D. Sebastião, e após a pandemia da peste assolar Portugal em 1569, visto a vizinha Espanha se ter livrado do flagelo graças à intervenção de Nossa Senhora da Penha de França, o Senado da Câmara de Lisboa prometeu construir um grandioso templo, se ela livrasse a cidade da moléstia, o que fez em 1598.
Ainda hoje em tempos de pouca saúde a cidade de Lisboa lhe recorre.

A Igreja da Vista Alegre foi projectada para ser um grande santuário mariano em Aveiro, por voto do Bispo D. Manuel de Moura Manuel. Após termos ganho a independência ao domínio espanhol em 1640 e devido ao condicionamento da fronteira de peregrinação para o primitivo Santuário da Penha de França em Salamanca, D. Manuel de Moura Manuel, por especial devoção resolve dedicar à Virgem da Penha em Portugal, na sua quinta da Vista Alegre, este magnífico monumento, hoje monumento nacional e uma das mais belas igrejas do barroco inicial. Começando a sua construção em c. 1691 estaria já adiantada em 1694, data dos magníficos azulejos de Gabriel del Barco. Sabemos que a 15 de Julho de 1693, a arquitetura estaria terminada, instituindo-se no largo da Capela uma feira aos dias 13 que perdura nos dias da hoje.

Quem foi D. Manuel de Moura Manuel (1632-1699)?

D. Manuel de Moura Manuel nasce em Serpa em família nobre. Por parte do pai era neto de Dom Féliz de Gusmão que foi irmão de São Domingos e da parte da mãe descendente de D. Constança Manuel, rainha de Portugal que foi casada com o Sereníssimo Rei Dom Pedro I de Portugal e com o católico rei Dom Fernando de Castela e Leão.

Sendo o segundo filho, seu irmão Rui de Moura Manuel era senhor da Quinta da ermida em Ílhavo, tinha a opção de seguir dois caminhos: a carreira militar ou a carreira eclesiástica. Uma vez que o seu irmão Cristóvam era Frei, o seu tio D. Jorge de Melo era Bispo de Coimbra, por devoção, decidiu enveredar pelo caminho da religião católica.
Serviu nas guerras contra Espanha, antes denominada Castela, e foi conselheiro do Rei D. Pedro II. A sua formação foi na Universidade de Coimbra na qual se doutorou. A sua carreira de prestígio e logo após ter recebido o capelo da Universidade, 1659, foi provido a cónego de Lamego e Braga. Serviu a Inquisição durante 28 anos, em Évora como deputado, 1660, em Coimbra como inquisidor e presidente, 1666, tendo subido a Ministro do conselho geral da Inquisição no tribunal da corte de Lisboa e conselheiro do Sereníssimo Rei de Portugal, sendo depois reitor da Universidade de Coimbra, 1685, de onde saiu para assumir o bispado de Miranda do Douro, 1690. Em 1697 pede uma licença ao papa,não podendo fazer a visita ad limina por ter sido acometido de doença terrível que o pôs às portas da morte. Sabe-se que, para além do seu estado de saúde e o risco de viagens longínquas, haveria outra preocupação: a necessidade de dispor e assistir à fábrica de um sumptuosíssimo templo que, por voto, mandou fazer a Nossa Senhora sob a invocação da penha de França. Esta obra terá começado antes de assumir o bispado e com verbas vindas de bens patrimoniais e rendas de cargos anteriores a essa nomeação. Sabe-se também que D. Manuel tinha um gosto delicado por obras de arte que levou a que enriquecesse com o que de melhor existia no reino a magnífica Capela da Vista Alegre em Ílhavo (escultores, azulejadores, arquitetos, pintores - João Antunes, arquiteto regio, Claude Laprade, escultor , Gabriel del Barco (1648?-1706?), pintor)como confirma o estudo do Professor Ayres de Carvalho sobre estas encomendas de obras de grande valor artístico.

Como surgiu a devoção e culto de Nossa Senhora da Penha de França?
Simon Roland ou Simão Vale (1425/9 Maio 1434) era francês, nascido em Paris, filho de Rolan e Bárbara, nobres e ricos. Abandonou a riqueza e o conforto e dando tudo aos pobres e refugiou-se num mosteiro da Ordem Franciscana. Seu sobrenome Vela resultou de uma constante advertência, que lhe parecia ouvir do Céu: — "Simon, vela, e não durmas!", em suas prolongadas orações.
Recebendo, no convento, uma revelação mística da Virgem, esta lhe indicou que tinha que partir, em peregrinação, a fim de procurar a Penha de França.
— O que seria, onde estaria? — Em sua pátria?
Durante cinco anos, Simon andou, andou, inútilmente.
Avultavam, na Idade Média, as peregrinações ao túmulo do Apóstolo São Tiago, em Compostela. Seguiam o itinerário clássico da passagem pelo Santuário de Puy, tão famoso que se considerava sagrado o peregrino que o visitasse.
Com medalha de chumbo, de Nossa Senhora do Puy, servindo-lhe de salvo-conduto, Simon juntou-se a uma dessas romagens piedosas.
Acompanhou alguns peregrinos a Castela e a Salamanca, esperançoso de encontrar, entre os universitários, notícias da Penha de França. Mas, apesar de tão perto do lugar, permaneceu seis meses ainda, em buscas infrutíferas . Finalmente, uma tarde, meteu-se entre o povo, numa praça pública.
Ouviu um pastor referir-se à Penha de França, nome tão ansiosamente acalentado. Logo, empreendeu a caminhada para o sítio apontado. Difícil foi atingí-lo. Dias e dias, buscou, entre as fendas e grutas, o que desejava, até que, exausto, uma noite, foi surpreendido, pela fúria de uma tempestade,
no meio da qual se desprendeu uma pedra. Rolou, atingindo-o na cabeça e prostrando-o, desfalecido!
Na segunda noite, já, mais ou menos, refeito, em oração, ouviu a mesma voz que o acompanhava:
— Simon, vela y no duermas!
Repetia-se o aviso que o levou a trocar o nome de Rolan pelo de Vela. Na terceira noite, rezando, rezando sempre, percebeu extraordinário clarão, no meio do qual distinguiu uma cadeira tão adornada que parecia de ouro . Uma senhora formosíssima veio sentar-se ali. Trazia, nos braços, um menino encantador! Falou-lhe: — "Aqui, cavarás e o que achares deverás pôr no mais alto do monte, e uma casa farás. Tu a começarás e outros virão concluí-la. Estou satisfeita, meu filho."
Simon desceu a San Martin dei Castanar, onde encontrou cinco pastores, que se prontificaram a auxiliá-lo nas pesquisas. Após muito trabalho e muitos revezes, descobriram todos a desejada imagem da Virgem Maria, com o Menino Jesus, nos braços. Um dos pastores, escrivão, tudo anotou. Estavam em 19 de Maio de 1434.
Simon curvou a cabeça e tocou-a na imagem. Curou- se, imediatamente, da cicatriz que a pedra lhe fizera e que se agravara, com o frio e a falta de medicamento .
Conhecido o fato, organizaram-se romarias de preces
e construiu-se uma cabana, para abrigo do precioso achado, iniciador do Santuário da Virgem da Penha, na Espanha. Faleceu em 1437, cinco meses após o estabelecimento da Ordem Dominicana, com sete religiosos, na Penha de França. Quando exumado, o seu crânio apresentava ainda o sinal deixado pelo bloco de pedra.
O primitivo santuário da Virgem da Penha de França encontra-se na Província de Salamanca, numa linda e formosa região: “de La Sierra de Francia” (da Serra de França). Ali se contempla uma esplendorosa e singular paisagem que abrange a imensa planície castelhana, as montanhas das Hurdes e a Serra Estrela de Portugal.

O Património da Igreja da Vista Alegre:

A Capela de Nossa Senhora da Penha de França é um belo exemplo da arquitetura maneirista e do barroco. O seu altar-mor tem uma muito interessante representação do presépio e os tetos do espaço estão repletos de pinturas murais. O teto da capela-mor mostra-nos a Assunção da Virgem e o teto da nave da igreja a Árvore de Jessé. Na capela, destaque ainda para o conjunto de painéis de azulejos setecentistas de Gabriel del Barco, que representam cenas da vida da Virgem.
Esculpido em pedra de Ançã pelo escultor francês Claude Laprade, o túmulo monumental de D. Manuel de Moura Manuel e a representação da Virgem da fachada são de uma sensibilidade digna de se ver e denota um arrojo de modernidade para a época, os finais do século XVII.

Ao contrário das indicações do Vaticano, a estátua jacente do bispo não se encontra totalmente na horizontal com as mãos postas sobre o peito. Ao invés, a figura do bispo soergue-se do leito da morte e olha para a imagem da Nossa Senhora da Penha de França, a patrona da capela a quem era devoto. Com a mão direita a permitir o equilíbrio e a esquerda como que a começar um gesto a partir do peito, todo o movimento que a escultura imprime é de uma grande sensibilidade.

Ao avistar, no seu leito de morte, a Nossa Senhora da Penha de França, D. Manuel de Moura Manuel ergue-se para a santa e contempla a vida eterna, escapando assim aos braços da morte.

Todo o túmulo é de uma iconografia forte. Começa logo pelos dois leões de pedra que com dificuldade suportam o túmulo, indicando assim o peso da importância do defunto aqui sepultado. Ladeando o túmulo, surgem duas fénixes, em forma de carpideiras e, aos pés do leito da morte, um anjo que segura um crânio.

Sendo figura central do drama, a Nossa Senhora da Penha de França surge-nos em tamanho pequeno e descentrada, ao alto do lado direito de todo o conjunto monumental, para que o rosto de D. Manuel de Moura Manuel possa olhá-la de frente. A figura central é antes o tempo, apresentado como um velho, que está ladeado por dois anjos que levantam o véu da morte, permitindo assim ao bispo contemplar a vida eterna. No arco do conjunto estão esculpidas caveiras que ostentam chapéus representativos das mais elevadas classes sociais, numa clara mensagem de que não importa a importância que tenhamos em vivos, pois somos todos iguais perante a morte.

O túmulo de D. Manuel de Moura Manuel é uma obra-prima de rara sensibilidade e a mais importante peça da capela da Vista Alegre, assim conhecida por estar incluída no complexo do museu da bicentenária fábrica.

A Capela da Vista Alegre, em Ílhavo, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, comunicação dedicada à Nossa Senhora da Penha de França, por Hugo Calão, mestre em História e Património pela Universidade do Porto e sobre o escultor francês Claude Laprade por Sílvia Ferreira doutorada em Historia pela Universidade de Lisboa. 21-04-2018

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Porcelana de colecção sobre a Paróquia de Ílhavo - Senhor Jesus dos Navegantes

Placa de porcelana Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo
Edição da Comissão de Festas do Senhor Jesus dos Navegantes de 1999
Fabrico Publidecal Ílhavo



Jarro e bacia porcelana Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo
Edição da Comissão de Festas do Senhor Jesus doa Navegantes de 1994
Fabrico Vidal Arte porcelana - Ílhavo
Série limitada a 250 exemplares


Floreira porcelana Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo
Edição da Comissão de Festas do Senhor Jesus doa Navegantes de 1994
Fabrico Vidal Arte porcelana - Ílhavo
Série limitada a 250 exemplares



terça-feira, 28 de abril de 2020

Porcelana de colecção sobre a Paróquia de Ílhavo

Prato Capela da Ermida
Fábrica de porcelana da Vista Alegre
Legenda: Mandada Erigir por Alberto Ferreira Pinto Basto e oferecida ao povo
do lugar no ano de 1901. Aguarela de Palmiro Peixe (pintor)


Prato Capela de Nossa Senhora da Luz da Légua | Casa Nossa Senhora da Luz
Vidrocerâmica Aveiro


Prato Restauração da Capela de Santo António da Coutada
Fábrica de porcelana da Vista Alegre 1975


Prato Nossa Senhora da Luz da Légua - Ílhavo
Edição da Comissão de Festas de 1993
Porcelana de Arte Rôlo
























Jarra Nossa Senhora da Luz da Légua - Ílhavo
Edição da Comissão de Festas de 1993
Porcelana de Arte Rôlo





Prato Comissão de Festas Santo António da Coutada
Regipor Bonsucesso Porcelana Aradas-Aveiro



Porcelana de colecção sobre a Paróquia de Ílhavo

Prato Nossa Senhora do Pranto
Fábrica de porcelana da Vista Alegre Ílhavo
Edição da Comissão de Festas de 1999
Prato Nossa Senhora do Pranto
Regipor Bonsucesso porcelanas Aradas-Aveiro
Edição da Comissão de Festas de 2000


Travessa Nossa Senhora do Pranto
Fabrico Publidecal Ílhavo
Edição da Comissão de Festas de 1999


Porcelana de colecção sobre a Paróquia de Ílhavo

Prato Interior da Igreja Matriz de Ílhavo,
Fábrica de porcelana da Vista Alegre de Ílhavo, 1975

Prato Restauro da Igreja Matriz de Ílhavo
Fábrica de porcelana da Vista Alegre de Ílhavo, 1973

terça-feira, 21 de abril de 2020

Homem sem pressa de se revelar

Retábulo de altar de Santo António (pormenor), Igreja Matriz de Ílhavo, aguarela, 2014, Hugo Cálão copyright (©)
Recordo a esplêndida espera, modéstia, ou indiferença, que teve Santo António pela exibição dos seus talentos.
Os homens de Letras, todos os artistas, ardem quase sempre no anseio de vir a público com as suas criações. Fazem-no geralmente ainda na adolescência, antes de amadurecer nelas a experiência e os seus talentos. 
Na maior parte dos casos esses trabalhos serão sem valor, apenas, quando muito, um vago balbuciar do que virá depois. alguns terão mais tarde que se envergonhar dessa tentativa que nada vale, cortando-a do futuro rol das suas obras de mérito. Seria preferível trabalharem no silêncio, o que com a tecnologia de hoje é tão difícil, exercitando-se, corrigindo-se a si mesmos para só aparecerem na hora própria. 
Santo António de Vagos
Igreja Paroquial de Santo António de Vagos
aguarela sobre papel, 2020, Hugo Cálão copyright (©)
O caso de Santo António é, porém, um exemplo admirável. Esperou modestamente; instruiu-se ricamente nesses anos juvenis, como concluem os seus biógrafos.
Havia de descobrir dentro de si, como descobre todo o pensador ou artista, as ideias, as imagens, os raciocínios, a imaginação que inventa e cria. Vocação para a oratória, perceberia as frases acumularem-se dentro de si, ordenadas no espírito, prontas a virem aos lábios numa facilidade de água corrente, ou de água que se despenha em cascata, sem obstáculos à frente ou vencendo soberbamente todos os obstáculos. 
Noviço no Convento de Santa Cruz em Coimbra, oculto no Convento dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, de categoria pré-Universitária, estudou, reflectiu observou. Mais tarde, o exemplo dos mártires franciscanos de Marrocos leva-o a fazer-se também franciscano, para ser igualmente mártir.
E assim ruma à Itália, pobre frade que assiste a um Capítulo Geral de franciscanos, sob a presidência do próprio Francisco de Assis, sem que ninguém, por assim dizer, desse por ele. Terminado o Capítulo, junta-se a um grupo de frades que regressam, ainda um português sem nome. Só mostra o assombro da sua eloquência quando falta um pregador, na festividade da primeira missa dum sacerdote, pedindo-lhe em nome da obediência que suba ao púlpito e diga umas palavras. Foi um arrebatamento no auditório. São Francisco de Assis que estava longe, quando lhe contaram a maravilha da sua doutrina, terá exclamado: - Temos um bispo!
Queria certamente aludir ao prodígio de penetração dos seus sermões. Santo António de Lisboa começou tarde e morreria cedo. E bastou esse escasso tempo para que a sua fama se derramasse, para arrastar atrás de si multidões famintas da sua palavra e deixar uma pegada tão funda na História. É ainda hoje o franciscano mais popular, formando procissão os que vão visitar o seu túmulo e relíquias em Pádua.
A glória de Francisco de Assis, personalidade muito mais subtil e original do que o Santo português, está acima da capacidade de apreciação popular. É o Santo - imitação de Cristo - para os grandes espíritos de artistas e criadores.