Retábulo de altar de Santo António (pormenor), Igreja Matriz de Ílhavo, aguarela, 2014, Hugo Cálão copyright (©) |
Os homens de Letras, todos os artistas, ardem quase sempre no anseio de vir a público com as suas criações. Fazem-no geralmente ainda na adolescência, antes de amadurecer nelas a experiência e os seus talentos.
Na maior parte dos casos esses trabalhos serão sem valor, apenas, quando muito, um vago balbuciar do que virá depois. alguns terão mais tarde que se envergonhar dessa tentativa que nada vale, cortando-a do futuro rol das suas obras de mérito. Seria preferível trabalharem no silêncio, o que com a tecnologia de hoje é tão difícil, exercitando-se, corrigindo-se a si mesmos para só aparecerem na hora própria.
Santo António de Vagos Igreja Paroquial de Santo António de Vagos aguarela sobre papel, 2020, Hugo Cálão copyright (©) |
Havia de descobrir dentro de si, como descobre todo o pensador ou artista, as ideias, as imagens, os raciocínios, a imaginação que inventa e cria. Vocação para a oratória, perceberia as frases acumularem-se dentro de si, ordenadas no espírito, prontas a virem aos lábios numa facilidade de água corrente, ou de água que se despenha em cascata, sem obstáculos à frente ou vencendo soberbamente todos os obstáculos.
Noviço no Convento de Santa Cruz em Coimbra, oculto no Convento dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, de categoria pré-Universitária, estudou, reflectiu observou. Mais tarde, o exemplo dos mártires franciscanos de Marrocos leva-o a fazer-se também franciscano, para ser igualmente mártir.
E assim ruma à Itália, pobre frade que assiste a um Capítulo Geral de franciscanos, sob a presidência do próprio Francisco de Assis, sem que ninguém, por assim dizer, desse por ele. Terminado o Capítulo, junta-se a um grupo de frades que regressam, ainda um português sem nome. Só mostra o assombro da sua eloquência quando falta um pregador, na festividade da primeira missa dum sacerdote, pedindo-lhe em nome da obediência que suba ao púlpito e diga umas palavras. Foi um arrebatamento no auditório. São Francisco de Assis que estava longe, quando lhe contaram a maravilha da sua doutrina, terá exclamado: - Temos um bispo!
Queria certamente aludir ao prodígio de penetração dos seus sermões. Santo António de Lisboa começou tarde e morreria cedo. E bastou esse escasso tempo para que a sua fama se derramasse, para arrastar atrás de si multidões famintas da sua palavra e deixar uma pegada tão funda na História. É ainda hoje o franciscano mais popular, formando procissão os que vão visitar o seu túmulo e relíquias em Pádua.
A glória de Francisco de Assis, personalidade muito mais subtil e original do que o Santo português, está acima da capacidade de apreciação popular. É o Santo - imitação de Cristo - para os grandes espíritos de artistas e criadores.