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Andor do Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo
em dia de festa, c. 1930 |
Vem de tempos imemoriais apego das nossas gentes às lides do mar; pela sua situação ribeirinha, o mais natural seria que os homens de Ílhavo se voltassem para a ria, onde, saindo pelo esteiro da Malhada começaram por uma pesca muito artesanal, tentando tirar das suas águas o peixe que iria prover ao sustento das suas famílias, sendo o excedente vendido pelas mulheres, que o apregoavam no seu linguajar cantante. Daí aventuraram-se ao mar, primeiro em São Jacinto, depois na Costa Nova onde, num barco a remos, característico da arte xávega, ultrapassavam a rebentação, indo lançar a rede mais ao largo. Mas o ílhavo foi sempre corajoso e lá se aventurou na cabotagem e no mar alto na pesca, nos transportes, etc., sempre com barcos e aparelhagem rudimentar.
Sem grandes recursos, em dias de “mar bravo”, grandes tempestades, seriam bem aflitivas as situações por que passavam!
O homem do mar é por índole crente e temente a Deus. É ao Seu Divino Filho que recorre em momentos de perigo e são tantos… É a imagem do Cristo sofredor, na cruz, que traz no coração, imagem que se encontra ao culto na Igreja Matriz sob a invocação de Senhor Jesus dos Navegantes, cuja festa se celebra, ainda hoje, no primeiro domingo de Setembro.
A procissão fazia o seu itinerário de inicio pela rua Direita ou rua Arcebispo Bilhano, saindo da Igreja Matriz, intersectando a Praça da República e seguindo até à Capela de Nossa Srª do Pranto, regressando depois. Era acompanhada ora pela custódia paroquial ora pela relíquia do Santo Lenho. Este trajecto foi até ínicios do século XX o principal da antiga Vila de São Salvador, quer para os actos de culto quer para os civis.
Na sua imponente procissão, cujo itinerário foi há anos alterado, integram-se as irmandades da Senhora do Pranto e do Santíssimo Sacramento e Almas, os tradicionais anjinhos. Os meninos que levam os ramos da mordomia, tomam lugar à frente do andor do Senhor Jesus, adornado com o lugre miniatura, sanefas adamascadas e os característicos ramos de flores artificiais; seguem-se as representações dos marítimos, com as suas respectivas bandeiras e uma banda de música.
Atrás do pálio seguem as autoridades locais, penitentes cumprindo promessas, a mordomia e outra banda de música.
Atrás desta, o povo de Deus.
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Armação da Festa ao Senhor Jesus dos Navegantes - 1952
(SENHOR JESUS ABENÇOAI OS NOSSOS MARINHEIROS - ÍLHAVO) |
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Subida para Alqueidão, procissão de 1999 |
Segundo o itinerário actual, a procissão, saindo da Igreja Matriz segue pela Avenida Manuel da Maia, subindo à Rua de Alqueidão até ao cais da Malhada, onde é feita uma paragem e rezada e reflectida uma passagem da Sagrada Escritura.
Procede-se à bênção das actividades marítimas, já que é aí que Ílhavo está voltado para o mar; as águas da ria estão salpicadas de barquinhos engalanados e coloridos que saúdam, enquanto se retoma o caminho pela Avenida 25 de Abril. Na Igreja, com as orações finais dá-se por terminada a procissão.
E é assim que, ao honrar e louvar o Senhor Jesus, se continua uma tradição velhinha de muitos anos, que se pretende melhorar cada vez mais, para glória de Deus
Anos houve em que a festa ao Senhor Jesus se efectuou em Novembro e Dezembro.
Na segunda-feira a, ao final da tarde, celebrada a Missa de sufrágio pelos marítimos falecidos; e como em Ílhavo ”quem não rema, já remou!”, a maioria das pessoas tem as raízes ligadas ao mar e a Igreja fica repleta.
No final da Missa são distribuídos os ramos pelos mordomos que estão na disposição de dar continuidade à festa e a isso se comprometem perante o pároco e a comunidade.
Comissões de Festa e Mordomias
Da festa do Senhor Jesus, embora havendo referências desde o século XVII, só há registos escritos a partir de 1865, que não vão além das receitas e despesas. É de 1953 uma das primeira listas escrita da mordomia do Senhor Jesus; era pároco o agora Bispo Emérito do Porto D. Júlio Tavares Rebimbas.
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Procissão de Dezembro de 1956
D. Júlio Tavares Rebimbas,
segurando a relíquia do Santo Lenho;
lanterna (Cap. José Bilelo)
pálio da direita para a esquerda
(Joaquim da Graça; Mário Paulo do Bem
Carlos FernandesParracho; José Leite
João Rigueira Alão; Francisco Leite
António Pascoal) |
Mordomia do Senhor Jesus dos Navegantes para 1953
Juiz – Capitão Carlos Fernandes Parracho – Rua João de Deus
Tesoureiro – Capitão Manuel Guerra – Rua João de Deus
Secretário – Capitão Augusto Labrincha – Rua João de Deus
Vogais –
Capitão Armindo Ré – Rua de Camões
Capitão Armando Ramalheira – Corgo Comum
Capitão António Augusto Marques – Rua João de Deus
José António Bichão – Rua João de Deus
Manuel Carlos Ratola – Rua Direita
Júlio de Oliveira Bio – Rua Direita
José Oliveira da Velha – Rua Dr. Samuel Maia
José Paulo Moreira Patacão – Rua Dr. Samuel Maia
Manuel Soares Melo – Rua Dr. Samuel Maia
Sara de Jesus Grilo – Rua Dr. Samuel Maia
Adelaide da Silva Anadia – Rua Direita
Após as obras de restauro da Igreja há, a partir de 1977, um interregno no que respeita à procissão, que deixou de percorrer as ruas de Ílhavo. Contudo, o altar do Senhor Jesus foi sempre zelado por um grupo de mordomas e sempre tiveram lugar os tradicionais actos de culto no primeiro domingo de Setembro.
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Cartaz da festa de 1982 |
A partir de 1982 é retomada a saída da procissão e a festa continua, até hoje, nos moldes habituais. A ornamentação da Igreja e do andor sempre foram preocupação prioritária das mordomias, sendo a missa da festa preparada com cuidado e devoção. Na semana anterior é altura da reconciliação com Deus, já que quem ama o Senhor O quer receber de coração renovado.
Além da festa religiosa decorre, no jardim Henriqueta Maia e suas imediações, um alegre convívio de todos que, ao som da música, passeando pelas ruas decoradas com armações iluminadas e tendas de vendedeiras de bolos, esperam pelo fogo de artifício, o ponto alto do arraial.
in Cálão, Hugo, Madaíl, Isabel,
Senhor Jesus dos Navegantes - Mar e Devoção, 2007, pp. 16-21
Ed. Paróquia de São Salvador de Ílhavo, nº depósito legal 262970/07