Interior da matriz de Ílhavo Desenho de Palmiro Peixe |
O Prior de Ílhavo, José Bernardo Coelho de Sousa, que no mês de Outubro passado prometera a Nossa Senhora da Conceição da Rocha uma solene festividade, se acaso fosse aniquilado o monstruoso sistema que os tiranizava, vendo satisfeitos seus desejos, se dispôs a cumprir aquela sagrada promessa. Fora ele também injustamente perseguido, e arrancado com violência, e precipitação, no dia 10 de Março do presente ano, do seio dos seus fregueses, no tempo da Quaresma, e na ocasião em que no confessionário estava exercendo o seu pastoral oficio; dando-se-lhe apenas, duas horas para sair, e determinando-se-lhe que marchasse para Vila Nova d' Anças, e isto por não ter podido abafar seus leais sentimentos para com o melhor dos Reis, o Senhor D. João VI.
Restituído porém à sua Igreja, esperado a uma légua de distancia por mais de seiscentas pessoas, e recebido em triunfo por mais de seis mil que coalhavam as ruas da Vila, por entre as mais vivas aclamações, repiques de sinos, foguetes inumeráveis, e nuvens de flores que voavam das janelas; tão evidentes, e sensíveis demonstrações de afecto dos seus fregueses o fizeram facilmente esquecer dos trabalhos passados; se bem que, em abono da verdade, confessará sempre ter sido tratado pelos habitantes de Vila Nova d' Anças o melhor possível. Não tardou ele em dar á execução o seu voto, firmemente convencido de que tão extraordinário acontecimento era um evidente milagre da Virgem Santíssima Padroeira do Reino.
No dia aprazado, que foi a 6 do corrente Julho, adereçado o vasto, e majestoso Templo com mui vistosa, e riquíssima armação, se cantou Missa Solene com excelente e numerosa musica. Orou ao Evangelho o Reverendo Manuel Xavier de Sousa, Professor Régio de Retórica da Cidade de Aveiro, e no seu Discurso, com a maior energia, e vigor pintou os males que suportámos, e dos quais nos livrou o nosso Deus por intercessão de sua Mãe Santíssima. Seguiu-se á missa um farto jantar de sopa, vaca, e arroz a mais de mil pobres, que foram servidos pelo mesmo Reverendo Prior, e seus Coadjutores, pelos Bacharéis Ricardo da Maya Vieira, Rodrigo da Maya Vieira, e, por Sebastião de Sousa Pizarro. Concluído este edificante acto se seguiu um esplêndido jantar de mais de oitenta talheres, e no fim dele se dirigirão todos segunda vez ao Templo, aonde estava o Santíssimo exposto, e houve outro Sermão, recitado pelo Reverendo Fr. José do Santa Escolástica, Carmelita Descalço, o qual combateu com valentia, e eloquência a terrível seita dos Pedreiros Livres, fonte, e origem dos nossos males. Fechou-se a Solenidade Religiosa com o sagrado Hino Te Deum, executado pela música.
A tão fausto, e alegre dia, seguiu-se uma agradável noite. Reunida uma mui luzidia, e numerosa companhia em casa do mencionado Ricardo da Maya Vieira, lhe foi oferecido um esplêndido chá; e entre variados bailes, e peças de música vocal, e instrumental se passou a noite, brilhando em todos os semblantes o mais vivo prazer, e concordando todos os que concorrerão a esta função que jamais Ílhavo tinha observado uma tão completa, e majestosa Festa.
in Gazeta de Lisboa 1823, p.1272
Ilhavo 21 de Agosto de 1836
ARTIGOS DE OFFICIO — (Reino) — Portaria em 17 de Agosto ao Governador Civil de Aveiro, em resposta ao seu oficio de 21 do corrente, em que da parte da prisão de 4 indivíduos, que com mais alguns dos outros pescadores da companhia dos capotes haviam dado vivas a D. Miguel na romagem, e festa de Nossa Senhora do Pranto, em Ílhavo, no dia 15 deste mês, e percorrendo de noite as ruas daquela Vila tinham provocado com insultos, e desafios a gente constitucional; a fim de que o mesmo Governador auxilie a acção da justiça acerca da existência, e circunstancias destes factos, e seus actores, para serem punidos.