terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tesouros da Matriz de São Salvador de Ílhavo - Exposição 4 a 6 Set. 2010

Ouro, prata, pedras, fio, madeira,  ...arte, suor humano!

   Tesouro é um depósito antigo de coisas preciosas, oculto e sem memória, perdido há tanto tempo que já não se sabe quem é o dono.
   Este apontamento de exposição serviu para mostrar o que de melhor existe no património não visível da Paróquia de São Salvador de Ílhavo, o que está oculto, para que a memória do mesmo, a sua identidade e posse, ou, o seu sentido de pertença, fique nas nossas memórias também.

As colecções da Paróquia de São Salvador testemunham, no seu conjunto, mais de VII séculos da história da Arte e da vida da Igreja em Ílhavo.

Desde o trabalho de inventário da colecção, decorrido em 2005/06, foi possível identificar no seu valioso espólio um total com cerca de 3000 peças, um dos mais numerosos da Diocese de Aveiro, constituído por colecções de ourivesaria, joalharia, cerâmica, escultura, mobiliário, metais, pintura, têxtil e documental, distribuídas por 12 igrejas.
Deste sacro tesouro destacou-se um número par em cada categoria das existentes na Igreja Matriz, peças exemplares no contexto artístico e de relevante valor estético e religioso.

Ourivesaria
1.Patena com pé
ourives de Lisboa, prata e prata dourada, século XVI – 1520
2.Custódia do Divino Salvador
possível ourives regional (Aveiro?), prata dourada, século XVI (c. 1580-1600)

Têxteis
3.Frontal-de-altar do Sacramento e Almas
autor desconhecido, linho e lhama de seda bordada a fio de ouro e prata, século XVIII
4.Paramento-rico
autor desconhecido, 2ª metade do século XVIII, lhama de seda natural bordada a fio ouro, adquirido em 1864

Escultura
5.Virgem da Conceição
autor desconhecido, século XVII-XVIII, madeira estofada
6.Menino-Jesus
autor desconhecido, século XVIII, madeira estofada

Joalharia
7.Brincos (par)
possível ourives regional (Ílhavo?), século XVII, ouro, esmalte verde, aljôfares
8.Cruz-peitoral relicário
oferta de gratidão dos pescadores portugueses a D. Manuel Trindade Salgueiro, Ourivesaria Aliança, Porto, século XX – 1962, ouro vazado, relevado e inciso, ametistas, brilhantes e pérolas

Pintura
9.Martírio de Santa Úrsula
autor desconhecido, século XVII-XVIII, óleo sobre tela
10.Almas do purgatório autor desconhecido, fabrico regional, século XVIII-XIX, óleo sobre madeira

Hugo Cálão, Set 2010

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O património da Paróquia de São Salvador de Ílhavo é sem dúvida a história continuada e a mais real prova da vida religiosa e social da cidade. A história de Ílhavo não se escreveria sem este. Por isso, como registo físico da nossa memória, é essencial a sua conservação, valorização e divulgação. Este espaço servirá, na nossa modéstia, este propósito. Neste primeiro artigo, faremos um apanhado histórico da Igreja Matriz de Ílhavo, pois esta, foi e, é o centro da religiosidade da paróquia.

A Matriz terá sido sempre onde actualmente se encontra, à qual se conhece cerca de 500 anos de pastoreio de almas.

O primeiro registo data do priorado iniciado em 1541, do qual existiria um livro de baptismos de 1558, hoje em falta no Arquivo Distrital de Aveiro. Mas a referência mais completa está registada nas Informações Paroquiais de 1721 e 1758 publicadas pelo nosso conterrâneo António Rocha Madahíl, no artigo “Ílhavo no séc. XVIII”. É exactamente no século XVIII que a Matriz de Ílhavo irá ampliar-se na arquitectura que hoje conhecemos. Em 1733 reedifica-se e amplia-se a capela-mor, “por ser a antiga muito pequena e desproporcionada ao corpo da igreja, substituindo-se o altar antigo por retábulo e tribuna de talha moderna”, como refere na informação de 1758 o reverendo João Martins dos Santos, prior desde 1756.

Do retábulo primitivo, anterior ao actual, restam partes de tábuas policromadas e douradas convertidas em móvel na sacristia, existente no anteparo do retábulo da capela-mor.

Na informação paroquial de 1758 é descrita, também, grande parte da imaginária e escultura de vulto. Conclui-se, portanto, anterior a esta data a escultura de vulto do Divino Salvador e São João Baptista, em pedra policromada, do final do século XVI, a imagem de vulto da Nossa Senhora do Rosário em madeira, as imagens de Santa Luzia, de S. Brás, em pedra policromada, uma imagem de São Francisco, em barro, um Santo Amaro de madeira e São Sebastião, de pedra, um Ecce Homo, conhecido como o Senhor da Cana-Verde, em madeira policromada, do século XVI, uma imagem de Cristo crucificado, conhecido como Senhor Jesus dos Navegantes e um Cristo com cruz às costas, conhecido como Senhor dos Passos, ambos do séc. XVII, em madeira policromada.

A Igreja Matriz com a sua nova ampliada arquitectura é benzida e inaugurada em 1785

Da antiga tribuna do primitivo retábulo existem também um São Cristóvão, de barro e um Santo André, de pedra policromada, do mesmo porte e antiguidade das imagens quinhentistas do Divino Salvador e São João, e que devido à ampliação de 1733, deixaram de ter lugar no actual retábulo-mor.

Este património cultural deve conduzir as pessoas ao encontro com a vida da Igreja e deve mostrar como, ao longo dos séculos, essa mesma vida se foi adornando de obras de arte insignes, ao mesmo tempo que se coadunava com o ambiente cultural.
Através de um caminho artístico qualificado, conduzir-se-ão os apreciadores na direcção dupla da memória deste património e das circunstâncias da vida da igreja, onde os objectos sacros e o seu culto se deveram incluir.

Só neste sentido é que os objectos são, não só objectos materiais, mas bens criados por uma comunidade que organiza no tempo a sua própria ideologia cristã.

 Hugo Cálão, in jornal “O Ilhavense”de 21 Fevereiro 2006