A QUADRILHA DO BADACO - na vizinha Soza, o Badaco, o Marques e o Chantôrro cometeram a tentativa de assassínio do padre de Soza. O Badaco foi morto a tiro e enterrado no celeiro de Salgueiro
Foi no ano de 1850, época em que toda a Europa vivia harmoniosamente, que na vizinha Vila de Soza nasceu o Miguel Chantôrro, filho de um acérrimo partidário do estadista Mariano de Carvalho e que, no lugar do Boco, nasce igualmente uma criança descendente de uma família de apelido Marques e no lugar de Salgueiro, uma outra, descendente da família Badaco.
Estas três crianças, aí por 1859, frequentavam a escola da Vila de Soza, na qual era mestre o sr. padre José da Graça, conjuntamente com mais trinta companheiros da vila e suas vizinhanças.
Os três tornaram-se em breve grandes amigos e camaradas. E com a idade, foi nascendo neles uma certa tendência para a maldade. E assim é que, nas horas de recreio, os três combinavam assaltos à quinta da Senhora Maia, desbastando árvores de fruto, talando campos, esgalhando árvores.
Comandava esta pequena quadrilha, o mais esperto de todos - o Badaco – que à finura aliava a temeridade.
Um dia resolveram assaltar o estabelecimento da Sra. Maria Rodrigues, roubando-lhe 12 grosas de botões que depois vendiam aos condiscípulos para o jogo do Rapa.
Sendo as queixas dos seus desacatos contínuas o bom do padre-mestre resolveu um dia expulsá-los da escola.
E os três, já então rapazotes espigados, ouvindo contar as façanhas do Zé do Telhado, acordaram entre si imitar o famigerado salteador e, pelo escuro da noite, ei-los pelos caminhos de Salgueiro, Lavandeira, Ouca e Quintã, assaltando os transeuntes exigindo deles a bolsa ou a vida.
Aproximava-se o tempo da Semana Santa, e os partidários de Mariano de Carvalho, formaram um “complot” contra o Reitor de Soza, José Pimentel de Quadros, natural de Vagos. Os políticos cada vez mais acesos, juraram guerra de morte ao bom Reitor.
E para fazer desaparecer o pobre clérigo, foi convidado o Chantôrro, que devia praticar o crime na Sexta-feira Santa.
O atentado cometeu-se, de facto, recebendo o facínora, pelo seu gesto, 50 libras em ouro, e sendo o ato previamente festejado no lugar de Fareja, com um banquete em casa de João Estroina, inimigo figadal do Reitor, que escapou milagrosamente,
E assim naquela Sexta-feira, pelas 11 horas da noite, quando o Reitor de Soza, depois de ter assistido ao ofício das Trevas, se dirigia para sua casa que ficava ao fundo da rua dos Louros, hoje rua Dr. Brito, foi alvejado com um tiro de espingarda caçadeira, alojando-se-lhe a carga num ombro, mas não o matando.
No dia seguinte foram detidos vários indivíduos dentre os quais o Chantôrro. Mas como nada se pudesse provar contra eles, foram postos em liberdade.
Livre o Chantôrro das consequências desta proeza, o Badaco, chefe da quadrilha, resolveu assaltar a vivenda do sr. padre José Ribeiro, na Lavandeira, caminho para Ílhavo, e assassinar o bom do padre.
O assalto foi combinado para a noite de Natal. No dia 24 de Dezembro, pelas 12 horas, os bandidos dirigiram-se os três aquele lugar.
A noite estava fria e tenebrosa. O vento sibilava tragicamente. Os raios fuzilavam e o trovão ribombava. Os facínoras, que nada temiam, dirigiram-se para o sinistro cometimento.
Ao chegarem ao pinhal da Petronilha, que fica entre Salgueiro e Lavandeira, talvez acordados por algum remorso, discutiram entre si:
— E se não matássemos o bom do padre, que só nos tem feito bem? – disse o Marques.
— É verdade. Ainda há dias nos deu ceia a todos—repetiu Chantôrro.
— Está bem, respondeu o Badaco! Mas então vamos exigir-lhe que nos entregue 50 libras, para passarmos os dias de Natal.
— E quem havemos de mandar lá?
— A Moria Carvalha, que mora lá em baixo.
A Carvalha era uma infeliz mulher, que vivia num casinhoto miserável, ao fundo do lugar. Para lá se encaminharam os facínoras. E ao chegarem à vivenda da pobre mulher, perto das duas horas da madrugada, o Badaco aproximou-se de um postigo do velho pardieiro, batendo três fortes pancadas no janelo.
— Quem está aí?—preguntou a mulher cheia de medo.
— É o Badaco. Levanta-te que ninguém te faz mal.
A infeliz, mal agasalhada, tremendo como varas verdes, veio à fala com os criminosos.
E estes depois de a peitarem a ir entregar ao sr. padre José uma carta, em que lhe exigiam a entrega de 50 libras, foram aguardar o resultado do atrevido lance para o pinhal da Petronilha.
Não sabemos o que se passou entre a Carvalha e o sr. padre José Ribeiro. Mas o que é verdade é que dai a pouco, estavam os três criminosos a repartir entre si a produto do seu roubo, tendo dado 5 libras à Carvalha. E dessa data em diante o sr. Padre José Ribeiro, sentia-se ocultamente protegido, pois nunca mais lhe aconteceu mal algum, até ao final da sua vida.
Não ficou por aqui, porém, a atuação da quadrilha do Badaco.
Certa noite os meliantes resolveram assaltar uma casa de Ouca. Pela chaminé dessa casa desceu o Marques, na intenção de abrir as portas aos companheiros que estavam do lado de fora. Deu-se, porém, o caso, de na cozinha estar ainda a tratar da comida para os suínos, uma criada da casa, que vendo descer pela chaminé o intruso, se agarrou a ele, lutando e gritando.
Da refrega saiu a pobre mulher ensopada em sangue. Mas o Marques, que fora o atrevido salteador, teve de abrir apressadamente a porta da cozinha é dar às de Vila Diogo, com os companheiros, que aguardavam lá fora que ele lhes desse o sinal da entrada.
Foram todos presos, mas negaram o crime, e de novo gozaram a liberdade.
Passou-se algum tempo em que se não falou de mais assaltos da quadrilha. Jugava o povo que eles se tinham arrependido do mau caminho que trilhavam.
Puro engano. Os três miseráveis, deram mas é outra faceta aos seus malévolos intentos. E percorrendo todas as feiras do distrito, aplicavam a sua atividade no lucrativo negócio de carteiristas. Ora, no dia 21 de Setembro de certo ano, regressava a tripeça da feira da Oliveirinha, onde haviam feito boa colheita.
Chegados ao lugar das Quintãs entraram na taberna de um tal Polónio, e, demorando-se ali até à 1 hora da madrugada, resolveram assaltar nessa noite a casa da Chorinca, viúva de um rico proprietário dali. Pelas 2 horas da madrugada, por meio de chaves falsas, penetraram no palacete da viúva, donde roubaram joias no valor de 20 contos.
Pressentidos, porém, pelos criados, são por estes perseguidos e pelo povo, que acorreu as gritos de socorro, até ao lugar de Salgueiro, onde o Badaco é alvejado por 2 tiros de espingarda, por Pedro da Rocha, de Mira, mas ao tempo criado dos Gama, sendo morto e sepultado próximo do celeiro daquele lugar. O Marques e o Chantôrro, que eram os condutores das joias, conseguiram escapar à perseguição e dirigiram-se, pelo Porto de Ílhavo, lugar que fica entre Salgueiro e Nariz, para Tentúgal, onde chegaram pelas 10 horas da manhã.
Como nesse dia se realizasse naquele lugar um importante mercado, os dois assaltantes procuraram vender as joias, com 50% a menos do seu valor, a um joalheiro de Coimbra, de nome Ferraz, que desconfiando da fartura, comunicou o caso às autoridades que não tardaram a prender os dois patifes e a conduzi-los à Penitenciaria daquela cidade, donde saíram mais tarde, numa leva em que ia o José do Telhado, para as costas de África, donde nunca mais voltaram.
O celeiro de Salgueiro |